19.4.14

Vamos fazer o que com as execuções fiscais?

Copio a seguir texto que saiu ontem na página 3 da Folha de São Paulo.
O autor poderia ter mencionado outras coisas, o que certamente não foi possível por causa do espaço.
Uma delas é a lei da responsabilidade fiscal, que colocou a obrigação de executar o que estiver na dívida ativa. Muitos municípios fazem isso e depois, por conta das amarras legais e da miopia do Tribunal de Contas, elas não andam e não podem ser extintas, alvos de remissão ou anistia.
O CNJ, que nem é míope, é cego mesmo, ignora tudo isso e culpa os juízes, claro. Prá que dizer que a culpa é do Executivo? O CNJ age como se sua meta fosse execrar o Judiciário e os juízes...


RENATO LOPES BECHO
TENDÊNCIAS/DEBATES
Dois pesos e duas medidas
A lei concede vantagens e favores aos fiscos e suas procuradorias (advocacia pública), levando à inoperância das execuções
A morosidade e ineficiência do Poder Judiciário vêm ganhando contornos mais nítidos com o programa Justiça em Números do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Nos dois últimos anos, foi identificado que um terço dos processos é de cobrança de tributos. Com a constatação, ganhou nova força uma ideia que foi apresentada ao Congresso Nacional como desjudicialização das execuções.
Em 2009, a Presidência da República parece ter se dado conta dos exageros da proposta, após severas críticas, retirando-lhe o caráter de urgência. Agora se espera que o legislador imponha uma barreira à cobrança: somente quando o devedor tiver bens é que a execução seria levada ao Judiciário.
Esse tema foi destacado no artigo "Justiça é obra coletiva", do desembargador José Renato Nalini, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, e no editorial "Justiça irracional", ambos nesta Folha. Propõe-se que o legislador crie uma barreira legal para os processos como via de solução. Outras possibilidades, contudo, são possíveis.
Em 1980, o Congresso Nacional aprovou a Lei de Execuções Fiscais, retirando a cobrança de tributo da alçada do Código de Processo Civil. Passamos a ter dois pesos e duas medidas. Uma lei para todos e outra somente para os fiscos e suas procuradorias (advocacia pública).
O resultado pode ser comparado pelo CNJ: a cobrança geral anda mais rápido do que a tributária. O motivo foi que o legislador concedeu favores, vantagens e privilégios para a administração tributária. Por exemplo: todos os advogados têm prazos para cumprir, menos os procuradores fazendários. Os outros têm que acompanhar seus processos. Nas execuções, os juízes é que mandam os processos para os advogados do fisco. Esses excessos levaram à inoperância da execução fiscal.
Além disso, há o descumprimento da lei por parte da Receita Federal. Ela determina, por exemplo, que o processo administrativo de cobrança vá para a Procuradoria da Fazenda Nacional 90 dias após o não pagamento do tributo, para ser levado ao Judiciário. Na prática, eles demoram cinco anos.
Há, também, muita desinformação. O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica) diz que o Poder Judiciário demora cinco anos para a citação do devedor. Vejamos o que acontece na prática. O Código de Processo Civil (art. 219, § 2º) estipula que cabe ao autor (que na execução fiscal é o Poder Executivo) promover a citação do devedor. Para que ela ocorra, o juiz dá o despacho mais simples de todos: escreve "cite-se". Com isso, uma carta com aviso de recebimento, que já vem no processo, é entregue aos Correios e cumprida com 70% de êxito na cidade de São Paulo.
Bem, se o carteiro não localiza o devedor, o processo volta para o juiz, que manda a Procuradoria se manifestar, pois o endereço pode estar desatualizado, pode ser necessário que um oficial de Justiça tente a citação etc. É nessa hora, com o processo nas mãos do advogado público, que a citação pode demorar cinco anos.
Há diversas outras situações que comprovam que existe muita execução como efeito da atuação ineficiente da administração pública.
Por fim, há a questão cultural contra a cobrança de tributos. Quando assumimos uma vara de execução fiscal, em 1997, ouvimos coisas como "você escolheu a Sibéria ou você não gosta de trabalhar"... Hoje esse quadro mudou. Entretanto, ainda há uma mentalidade no Poder Judiciário --que foi condenada por Rui Barbosa na célebre "Oração aos Moços"-- de que a administração pública pode tudo, o Estado nunca pode perder um processo.
Se o fisco perde um prazo e é condenado, arranja-se um jeito para salvar o processo. A jurisprudência dos tribunais, por isso, é responsável em grande parcela pela existência de execuções fiscais inúteis porque velhas, mas sobre as quais os juízes não podem efetivamente julgar.
Se buscarmos a solução legislativa, um caminho pode ser a simples revogação da Lei de Execuções Fiscais, acabando com os dois pesos e duas medidas. Outra hipótese seria o Poder Executivo cumprir as leis e os juízes poderem exigir que assim seja feito.

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