10.8.14

Muito bem dito!!

TRechos da entrevista de Lenio Streck ao Conjur

ConJur – Falando em texto da lei, o nosso texto constitucional sofre críticas por ser enorme. Mas há quem diga também que reduzir ele, enxugar a Constituição só serviria para retirar direitos. Qual sua opinião?
Lenio Streck – 
Tem gente que diz que a Constituição mais enxuta do mundo é a que mais dura, que é a dos Estados Unidos: 7 artigos, 26 emendas. Quem disse que ela é mais curta? O sistema é da common law e cada decisão da Suprema Corte americana é um precedente e um precedente é como se fosse uma nova lei, portanto ela é maior que a nossa. É uma ilusão achar que a nossa Constituição é tão grande assim, tão extensa. 

ConJur – Mas o senhor acredita que haja um outro país no mundo onde o Judiciário tenha tanta interferência na vida do país?
Lenio Streck – 
Porque se deu isso no Brasil? Porque temos um país em modernidade tardia, com problemas sociais enormes e aí chega em 1988 e faz uma Constituição, que coloca em seu texto promessas da modernidade. O paraíso na Constituição e o inferno na realidade. A Constituição diz que o Brasil é uma República e visa erradicar a pobreza. O que tem que se fazer então? Tem que fazer políticas públicas para isso. O Legislativo e o Executivo não fizeram, por causa do presidencialismo de coalizão. O Legislativo não foi fazendo as leis, o Executivo foi tendo que atender demandas a todo tempo, o que fez com que as pessoas corressem ao Judiciário. E o judiciário no Brasil não soube – e aí a doutrina de novo falhou –estabelecer a diferença entre judicialização e ativismo. Essas são coisas diferentes e é inexorável que haja judicialização em qualquer país no mundo. Judicialização é um problema de competência e incompetência: um poder é incompetente, a Constituição diz X, o Poder não faz, o Judiciário manda fazer. Ativismo é quando o Judiciário se substitui aos poderes que são do legislador e, por exemplo, acaba interferindo nas esferas dos demais Poderes e fazendo com que se fragmente o sistema. A judicialização acontece, em qualquer país do mundo e o ativismo acaba sendo ruim para a democracia. Acabamos criando o judiciário muito forte, como uma espécie de grande pai da nação. O ativismo é vulgata da judicialização.

ConJur – No caso do casamento homoafetivo, por exemplo...
Lenio Streck – 
O tribunal foi ativista. E não importa as nossas posições com relação ao justo ou injusto sobre essa questão, porque todos os grandes países europeus fizeram via parlamento, e aqui no Brasil foi via Judiciário.

(...)
ConJur – Mas um processo demorar dez anos é um problema.
Lenio Streck – 
Sim! Mas não precisa ser resolvido em dois meses. O que está escrito é que o processo deve ter duração razoável. Razoável é dez anos, ou um ano? Alguém tem um aparelho chamado “razoalômetro”? Uma decisão bem fundamentada tem menos possibilidade de sofrer embargos, agravos etc. Processos feitos para cumprir estatísticas acabam gerando um problema de fragmentação.
(...)
ConJur – O que sobrou da Justiça Alternativa no Sul?
Lenio Streck – 
Sobrou muito pouco, porque ela perdeu seu tempo. Antes da Constituição, tinha um Estado mau, uma legislação autoritária, e o que restava para um jurista era nas brechas da institucionalidade tentar convencer o juiz, e aí eu preciso do acionalismo. Mas no momento em que todas as reivindicações são colocadas na Constituição, ele muda o foco. Aí não precisa-se do acionalista, é preciso que se cumpra a Constituição. Então o Direito Alternativo, ou o realismo jurídico – porque o Direito Alternativo  é uma espécie de braço do velho realismo jurídico escandinavo  ou norte americano — é uma posição política sobre o Direito, uma oposição política em relação a um stablishment ruim, autoritário.
(...)
ConJur – Uma defensora pública em São Paulo conseguiu que uma aluna que ficou em recuperação tivesse a nota alterada, para passar de ano...
Lenio Streck –
 Isso é um bom mau exemplo de ativismo judicial. Judiciário não corrige nota de aluno incompetente. E nem de aluno competente se estiver no lado contrário. E a resposta é muito simples: por que eu vou transferir recursos de outros lugares da sociedade para dar felicidade para aquele aluno? Esse é o problema de criar um cidadão de segunda classe. É duro fazer democracia. Hoje, a autonomia do Direito não pode ficar a reboque, por exemplo, de idiossincrasias pessoais. Um aluno que quer fazer curso de medicina e não gosta de sangue ou não quer dissecar os animais, não pode conseguir no Judiciário o direito de cursar uma disciplina à parte. Por uma razão simples: não há direito fundamental a cursar Medicina. Faça outro curso. A primeira pergunta que o juiz e o promotor têm que fazer é: “Eu posso universalizar essa conduta?” A própria questão de uma pessoa que pede remédio experimental de R$ 200 mil. É conduta universalizável? Se não é, acabou.
ConJur – Mas o doente que pede remédio de R$ 200 mil não é o desigual que tem que ser tratado de forma desigual?
Lenio Streck –
 Esse é uma dilema moral. O juiz não responde dilemas morais do sistema. De algum modo, aquele paciente chegou ali e não vai resolver com o juiz essa questão. Se o sistema fizer depender do juiz, nós temos um sistema de dilemas morais, não mais uma democracia. O Direito não vai responder dilemas morais.

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