27.8.14

Um depoimento revelador

Do Luiz Nassif online

Cármen Lúcia e o gozo da autoridade suprema

Jornal GGN - “Eu era muito mais feliz como advogada”, disse a vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, ao contar sobre a dificuldade da função que cumpre, durante um workshop realizado em São Paulo, nesta segunda-feira (25).
“Não é cômodo o papel de juiz. Nem estou dizendo que sou infeliz, até porque o dia que chegar o meu limite, eu vou embora. Mas continuo acreditando que eu estou fazendo uma coisa que, de alguma forma é a minha vocação, e que eu quero ajudar com este cargo. Mas a liberdade que um advogado tem, escreve como quer. Eu tenho que pensar cada vírgula. Se eu disser: eu não o liberto, ele está condenado. Se eu disser: eu não, o liberto, ele está solto. Uma vírgula muda a vida de uma pessoa. Amanhã, na hora que eu julgar 18 Habeas Corpus, alguém vai sair, alguém vai ficar na prisão. Isto não é uma função fácil. Isto é um ônus enorme”, contou.
Nascida em Montes Claros, mas criada na pequena cidade mineira Espinosa, Cármen Lúcia formou-se em Direito pela PUC-MG em 1977, ano em que, naquele estado, estudantes se reuniram para enfrentar a dura repressão militar, tentando reconstruir a UNE (União Nacional dos Estudantes), dissolvida quase dez anos antes pelo então regime. Escolheu, cinco anos depois, como ela mesmo disse, a especialidade mais complicada para o período: mestrado em Direito Constitucional.
E à essa luta, que se diz contínua, a ministra compara a intolerância e a falta de participação democrática da sociedade atual.
“Na década passada introduziram essa coisa, que eu tenho pavor, que se chama ‘politicamente correto’. Com todo respeito pelos que acham que é bom, eu acho que essa ideia de pensamento único é não ser livre. Todo mundo não é igual. A intolerância tem gerado uma frustração, essa frustração gera a ira, a ira se transforma em fúria e está indo para a praça pública”, disse Cármen Lúcia.
“Na minha juventude, nós estávamos aceitando tudo, desde que fosse a favor da liberdade, é proibido proibir, e a gente queria um Brasil livre. Eu continuo querendo o Brasil livre, até porque eu não consigo viver sem isso. No meu caso, pela minha história de vida. Agora, como é que nós chegamos a isso: falta educação cívica. Nós brigamos para poder escolher os o diretório acadêmico, não podia, tinha o decreto 477 que proibia”, lembrou. “Os meus alunos reclamam que na campanha para os candidatos do diretório os colegas não querem votar. Gente, eu voto até para síndico do condomínio. Eu saio de Brasília e vou a BH, e xingo, olho as contas, e falo, e reclamo. Porque foi muito difícil chegar a isso aqui. Então, não é possível que agora a gente abra a mão”, completou.
Durante o encontro, a ministra fez um paralelo entre a luta de antes e de agora, fazendo um balanço de como analisa as modificações daqui para frente e criticando a intolerância de reivindicações imediatas: “parece que eu estou vivendo um período de destrutivismo, se quer botar tudo abaixo”.
“Nós pedimos e corremos de polícia na rua, mas eram direitos políticos que, com a penada, o presidente da República dava. Nós queríamos Diretas Já, votar para presidente, queríamos Anistia Já, e aquilo se resolvia por um decreto lei ou por uma decisão do Congresso de 1 minuto, e mudava tudo. O que se pede hoje são direitos fundamentais sociais: saúde, educação, que precisa de ser implantado com urgência, mas leva tempo para cobrir 200 milhões de pessoas. Não é mais com uma penada que se resolve”, argumentou.
Sobre o impacto da repercussão de decisões da justiça brasileira no exterior, Cármen Lúcia disse que não tem alternativa além de seguir a Constituição. “É isso ou o caos”. Cita o exemplo da recente decisão dos Estados Unidos para a economia argentina: “o juiz de primeira instância dá uma ordem para a Argentina parar e pagar o que vai ficar devendo em 10 anos, e ninguém fala nada”. Afirma que, independente disso, não se preocupa como juíza do STF. “O dia que eu me preocupar, eu tenho que ir embora”.
Entre centenas de decisões a cada mês, a ministra da Suprema Corte contou, com certo paradoxo, o seu cotidiano de maneira informal. “Outro dia eu falei com um juiz do trabalho, que disse: ministra, mas a senhora não acha... Primeiro, eu não acho, eu voto, eu decido. Ele disse: eu estava falando para florear, para a senhora não ficar de mandona. Não, meu filho, eu obedeci a Madre Superior, minha mãe, meu pai, namorado, professor, agora eu mando. Adoro mandar. Eu mandei, cumpra. Mulheres, depois que passa dos 50, a gente gosta mesmo é do sim senhora, não é do eu te amo. Se tiver o eu te amo junto, aí isso é um Deus. Sim senhora e eu te amo, aí é realização total”, brincou.
Como vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, expôs o que pensa um ministro após os votos e decisões: “Estou brigando a minha vida inteira, exercendo um cargo público muito difícil, porque só – ainda mais com o meu temperamento – quem está lá é que sabe a dificuldade, o sofrimento que é, noites e noites sem dormir, ‘será que eu fiz certo mesmo, era isso?’. A gente cumpre com a ilusão de que está contribuindo de algum jeito.”.


“Canso de dizer, eu não quero mudar do Brasil, eu quero mudar o Brasil”, concluiu.

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