5.5.13

Um tema importante e que depende da nossa pressão

Da Folha de hoje, domingo.


LEÃO SERVA
Fora #malditosfios
Os invasivos fios aéreos não se justificam nem pelo lado técnico: são frágeis diante das intempéries e provocam frequentes cortes de luz
Banida a publicidade externa de São Paulo, em 2006, a maior responsável pela degradação do visual da cidade passou a ser a rede de fios pendurados em postes.
Já seriam feios e invasivos se estivessem em boa condição; mas ainda por cima estão malcuidados, em muitos lugares formam verdadeiras camas de gato ou novelos enredados. Além de serem uma insistente manifestação de subdesenvolvimento, os fios aéreos agridem as árvores, essenciais para o ambiente urbano.
Se fossem solução para o abastecimento de luz da metrópole, ainda se justificariam pelo lado técnico. Mas os #malditosfios, como os chamo em campanha (cada vez menos) solitária nas redes sociais, são frágeis e provocam interrupções de abastecimento cada vez mais frequentes diante das intempéries que o aquecimento global multiplica.
Os fios subterrâneos, por sua vez, não ameaçam árvores, não invadem o horizonte, não poluem a paisagem e se desgastam menos com o tempo.
Esse dado tem comprovação empírica: segundo estudo do Edison Electric Institute, formado por companhias elétricas dos EUA, cidades com fiação subterrânea sofrem perda de energia 0,1 vez ao ano, enquanto as de fios expostos perdem 13 vezes isso--1,3 vez ao ano.
Engana-se quem pensa que só as residências sofrem sem a energia; em São Paulo, todo dia, há 64 panes nos semáforos. Por isso, é muito alvissareira a notícia de que o Ministério Público Federal decidiu pôr em discussão o enterramento do cabeamento elétrico de São Paulo.
A procuradora Adriana Fernandes da Silva coloca a questão em perspectiva nacional, provocando uma posição da Agência Nacional de Energia Elétrica, até hoje leniente a esse propósito.
A Eletropaulo, responsável pelos postes de São Paulo, boicota o enterramento, argumentando que os custos são elevados. A distribuidora diz que seria necessário gastar R$ 2,45 milhões para enterrar cada quilômetro de fio, o que causaria um custo total de mais de R$ 100 bilhões, computando-se os 41 mil quilômetros de fios pela cidade.
Esse valor está inflado, desde logo, pois o certo é multiplicar pelos quilômetros de ruas, dado que cada via terá o mesmo encanamento de luz, não importando quantos fios passem por ali. Como são 17 mil quilômetros de ruas, a conta cai para R$ 41,65 bilhões.
Mas o enterramento não interessa à companhia; exigiria investimento que ela não parece disposta a fazer já. Atitude infeliz e preguiçosa: outros países já mostraram ser possível fazê-lo em pouco tempo: a Alemanha enterrou 70% de sua fiação aérea em três anos, e o Reino Unido, 80%, em igual período de tempo.
Outro ponto relevante: com os fios enterrados, a Eletropaulo perde o aluguel que cobra para deixar as telefônicas e TVs pagas pendurarem seus cabos nos postes de luz.
Essa mesma receita é uma das possíveis fontes de financiamento da mudança dos fios: quem investir no enterramento depois vai receber dessas empresas o que elas pagam hoje para pendurar fios nos postes.
Também devem ser incluídas entre as possíveis fontes de recursos futuros as economias que as concessionárias terão com a redução da manutenção. Cabe incluir nos cálculos até mesmo alguma contribuição oriunda das economias feitas na cidade com a redução das quedas de fornecimento.
Com essas e outras fontes, como a venda dos espaços deixados pelos postes, um investidor com dinheiro em caixa que aceite esperar um prazo longo para recuperar seu capital --caso, por exemplo, dos fundos de pensão e dos bancos de investimento-- poderá se interessar pelo enterramento, tirando-nos dessa sinuca em que o desinteresse da Eletropaulo insiste em nos deixar.

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