7.7.14

A judicialização da saúde

A discussão sobre a saúde pública, seja a paga via planos de saúde, seja via SUS, tem que ser nacional e ampla. É necessária mesmo. Não dá para prosseguir de forma superficial e imediatista.

DA Folha de hoje

Crescem no país processos contra planos por tratamento
Só na maior rede privada, ações na Justiça aumentaram 24% nos últimos 3 anos
Atendimento negado lidera queixas; paciente pede procedimento não previsto em contrato ou lei, dizem operadoras
CLÁUDIA COLLUCCIALAN SANTIAGODE SÃO PAULO
Presente no SUS há mais de uma década, a judicialização da saúde --busca na Justiça por tratamentos-- cresce também na medicina privada.
Só a Unimed do Brasil, maior rede de assistência privada do país (responde por quase um terço do mercado de planos), viu aumentar em 24% o número de ações judiciais nos últimos três anos.
As demais operadoras não têm dados consolidados, mas confirmam alta parecida, que é bem acima do crescimento do mercado (5% ao ano).
O que preocupa o setor, porém, não é a quantidade nem o custo das ações, mas o fato de o Judiciário dar razão, quase sempre, ao consumidor.
"Isso tem a ver com lacunas da regulação dos planos e com a omissão da ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar], que não fiscaliza adequadamente o setor", diz o professor da USP Mario Scheffer, autor de estudo sobre o tema.
Segundo ele, negativas de atendimento lideram a lista de motivos que levam o consumidor à Justiça. "O planos vão criando formas de burlar a lei. A Aids, quando não tinha remédio, era uma das doenças mais excluídas."
Depois, diz, tratamentos quimioterápicos passaram a liderar as ações. É esse o caso da aposentada Severa Cordeiro, 65, diagnosticada com câncer no pulmão em 2011.
"A demora para marcar consulta com oncologista era de três meses", diz a filha dela, Carli Cordeiro, 41.
A família decidiu, então, ir a um hospital de referência. Consultas e alguns medicamentos começaram a ser pagos pela família; em casos de internação, o plano custeava.
Severa conseguiu na Justiça que o plano pagasse a medicação e o tratamento em rede especializada --um pedido de reembolso de R$ 25 mil ainda não foi julgado.
Carli paga hoje mensalidade de R$ 1.200 ao plano. "É importante entrar na Justiça para que os planos passem a cuidar melhor dos pacientes e criem condições para um atendimento de qualidade."
As operadoras dizem que, normalmente, o consumidor pede procedimentos ou remédios sem registro no país ou não previstos em contrato ou na lei do setor. O Código de Defesa do Consumidor é a lei mais usada para embasar as decisões judiciais.
"Há um excesso de pseudo direitos consentidos à revelia do contrato. Não sou contra nada. Desde que se combine antes", diz Eudes Aquino, presidente da Unimed do Brasil.
Para José Cechin, da Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), o juiz deseduca o consumidor ao garantir vantagem não assegurada na lei ou no contrato. "Ele passa a achar que pode conseguir as coisas sem pagar por elas. Deixa de se preocupar em ter um plano melhor porque confia que, no último momento, vai conseguir a decisão na Justiça."
Arlindo Almeida, da Abramge (Associação Brasileira de Medicina de Grupo), diz que "a área da saúde tem avanço tão grande que é impossível dar tudo a todos. O dinheiro é limitado tanto no público quanto no privado".
Para as operadoras, a escalada de ações levará a uma alta de custos, que será repassada a todos os clientes. Almeida diz que, em operadoras menores, o custo da judicialização já é 2% da receita líquida.
Segundo a ANS, o total de despesas judiciais informado pelas operadoras correspondeu a 0,3% do faturamento, de R$ 108 bilhões, em 2013: "O percentual varia em cada operadora e é equivocado fazer qualquer afirmação sobre aumento ou impacto relevante para o setor. Cada operadora tem uma realidade".

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