6.7.14

O senso comum já apontava para isso...

Do Estadão

Brasileiro vai às ruas por direitos, mas desrespeito às leis aumenta

VICTOR VIEIRA - O ESTADO DE S.PAULO
06 Julho 2014 | 02h 02

Na mesa de bar ou nas redes sociais, o brasileiro reclama que políticos descumprem as leis - e cada vez mais sai às ruas por direitos. No cotidiano, porém, a transgressão de regras é frequente - desde o consumo de pirataria até a embriaguez ao volante. Para oito em cada dez brasileiros, é fácil desobedecer às normas. Sempre que possível, recorrem ao "jeitinho". As causas, segundo quem viola as regras, são falhas nas leis e o mau exemplo de autoridades.
Os números são da segunda edição do Índice de Percepção do Cumprimento da Lei (IPCL) da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (Direito GV), obtido pelo Estado com exclusividade. Entre 2013 e este ano, aumentou a quantidade de pessoas que admitem ilegalidades ou infrações, como as de trânsito. Na escala de zero a dez, o IPCL recuou de 7,3 para 6,8 em relação a 2013. Participaram do levantamento 3,3 mil entrevistados em sete Estados e no Distrito Federal.
A agente de viagens Cristina, que preferiu adotar um pseudônimo, bateu o carro depois de beber. Pior: a jovem não tinha carteira de habilitação. "Você faz uma, duas, três vezes. Como não acontece nada, relaxa", reconhece ela, de 23 anos.
Apesar do recente endurecimento da lei seca, a mistura de álcool e direção foi admitida por 17% dos entrevistados pela Direito GV. "Por causa das blitze, trocava caminhos ou deixava de passar por ruas movimentadas. Nunca havia tido problemas", relata.
Ninguém se feriu no acidente de Cristina, mas a experiência negativa fez com que ela mudasse de postura. "Bati só em uma placa. Mas isso mexeu comigo. Não bebo e dirijo de novo. Já perdi amigos em situação igual." Ela ainda presta serviço comunitário como pena, que foi menor porque o exame não detectou a presença de álcool. Embora no comportamento muitos ignorem a lei, a pesquisa mostra que a maioria sabe que a prática é imprópria - 97% disseram que beber após dirigir é "errado" ou "muito errado".
Regras e exceções. Já o arquiteto Cauê Azevedo, de 24 anos, confessa usar carteira de estudante adulterada. "Estou com o curso trancado, mas não deixei de ser aluno. Como o documento da minha faculdade não vale mais, resolvi fazer um falso", argumenta. Mesmo para a irregularidade, Azevedo afirma adotar critérios. "Se o preço é baixo, às vezes nem uso. Mas não vou pagar caro para ir a um show e ficar em pé", afirma.
Azevedo acredita que um dos principais problemas é a defasagem de algumas leis. "Estão fora da realidade das pessoas", reclama ele, que também admite baixar séries de TV na internet e ouvir música alta a ponto de incomodar os vizinhos. Para ele, os escândalos de corrupção políticos também levam às práticas irregulares. "Se a figura pública não é punida, por que isso acontecerá com quem comete delitos menores?", questiona.
Para evitar maus exemplos às três filhas, Élvio Freitas garante evitar desvios. "Elas precisam aprender o que é certo em casa. Sou bem 'caxias'", conta o pós-graduando em Direito, de 46 anos. Freitas afirma, no entanto, que já perdeu a carteira de motociclista por infrações. "O motivo foram ultrapassagens no farol vermelho: é perigoso parar em uma esquina de madrugada. Não arrisco minha vida só pela regra", justifica.
Vigilância social. A coordenadora do estudo, Luciana Gross Cunha, afirma que a certeza da punição, diferentemente do que se imagina, pesa menos do que o controle social no cumprimento das leis. "A preocupação é quanto a conduta gera de imagem negativa", afirma. Isso explica por que algumas ações, como a compra de produtos piratas ou atravessar fora da faixa de pedestre, são alvo de menos críticas, apesar de também irregulares. "Há uma permissividade, cultural e social, que interfere no comportamento", afirma.
Segundo ela, chama a atenção nos resultados o número de pessoas que admitem dirigir alcoolizadas, apesar das campanhas de conscientização. "É necessário pensar em como garantir o cumprimento das regras, mesmo depois de elas saírem das discussões diárias e dos meios de comunicação."

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