10.8.11

Não quero luxo e nem lixo

Ontem eu vi um post no Twitter relacionando os palácios dos desembargadores, o luxo dos juízes com o inferno dos presos nas delegacias e prisões em geral. Discordei imediatamente, lembrando do meu gabinete e local de trabalho atual e citando também a Bahia, eis que o colega Gerivaldo tinha retuítado isso. Depois ainda acrescentei que os juízes não tinham culpa pela condição ruim das delegacias.

Necessário assentar algumas premissas: o funcionário público tem que possuir um lugar de trabalho decente, tanto para ele como para o público. O local tem que ter sido construído especificamente para o fim público.

Assim, na minha situação atual, fora de um prédio construído especificamente para funcionar como fórum, evidente que não estou dentro da situação mais adequada. Agora mesmo acabou de vir um advogado querendo protocolar uma ação. Ele tem que ir ao prédio principal da cidade, mais de um quilômetro daqui. Aqui não tem protocolo e nem distribuidor. Não tem sala da OAB. Não tem sala de oficiais. Não tem sala do MP. Talvez no final do ano que vem estejamos todos juntos no prédio que está sendo construído nos fundos do prédio principal atual, inaugurado em 1977. Naquela ocasião, Celso de Mello era promotor em Osasco.

Mas vamos falar de luxo.
Segue acima uma foto de uma das salas do Tribunal de Justiça de São Paulo, tirada em novembro do ano passado durante a visita dos desembargadores canadenses, que aparecem sentados.

Bom, o prédio do Tribunal de Justiça pode ser considerado luxuoso, mas é preciso lembrar o seguinte: a) ele é um local de trabalho; b) os desembargadores, mais de 300, possuem gabinetes em outros prédios, que são em sua maioria alugados; c) o prédio foi construído na década de 30 e já abrigou sessões do Tribunal do Júri e até cartórios de varas cíveis, isso antes da construção do Fórum João Mendes Jr, que fica perto; d) hoje em dia, infelizmente, um prédio assim não seria erguido. Assim, digo com sinceridade, fico feliz que um prédio tão magnífico, tão imponente, tão grandioso, já tenha sido construído.

Mas é preciso lembrar: é um prédio onde se trabalha. Os órgãos de cúpula do Judiciário estão lá. Sessões de câmaras e do órgão especial são realizadas lá. O público pode visitar. Existe o museu do Tribunal dentro das dependências.

Nas diversas viagens que fiz por razões profissionais (EUA, França, Canadá) conheci diversos prédios imponentes (Suprema Corte em Washington, tribunal em Limoges, prédios diversos em Montreal, Toronto e Ottawa). Vários deles imponentes, mas nunca me senti inferiorizado. Sempre lembrava do prédio de São Paulo e pensava comigo mesmo que tínhamos coisa semelhante aqui.

Ah, claro, nenhum desses supera o prédio do fórum de Paris.

Aí lembramos das cadeias...

Aqui no Brasil a lei não é cumprida. As leis não possuem as condições de dignidade humana necessárias. Pode ser que, quando inauguradas, tenham essas condições. Depois, vão lotando e superlotando.

Cadeias exemplares são destruídas em rebeliões. Não esqueço do penitenciária de Araraquara/SP, que foi tida muito tempo como modelar. Nas visitas que fiz lá, em 1992 e 1993, o diretor sempre lembrava do cinema que foi destruído numa rebelião.


Os juízes visitam as cadeias e fazem constar nas atas as reclamações e condições inadequadas. Muitas vezes vem uma decisão judicial limitando o número de presos em algum lugar. Mas essa é uma luta que não cabe só ao Judiciário. É toda a sociedade que deve cobrar do Estado uma cadeia adequada decente, um sistema escolar que ensine, uma saúde que funcione sem filas e sem adiamento de necessidades.

Finalmente, voltando ao ponto de partida, a correlação feita pelo companheiro de Twitter é demagógica. Lembro que na década de 80 a então esquerda atacava as obras faraônicas. Bom, sem a "obra faraônica" de Itaipu São Paulo estaria no escuro. Diversos lugares do Brasil estariam no escuro. Isso me deixou vacinado contra a demagogia. Certas correlações são demagógicas. Falar dos lugares de trabalho de juízes e desembargadores e comparar com os presos é possível, mas uma coisa não decorre da outra.

2 comments:

Anonymous said...

Oi Tadeu,
Pessoalmente, e creio que pouca gente concorda comigo, acho que há uma inversão de prioridades e de entendimentos.. O local de trabalho do servidor público deve ser seguro, limpo, adequado, confortável e moderno. E bonito.. Assim como os prédios dos fóruns se tornaram "puxadinhos", também se perdeu no tempo muito do conceito de servidor público.. Todos clamam por seus direitos e benesses, sem atentarem para o motivo de lá estarem... No tocante à demagogia, considero a Lei 8.666 a maior delas.. Busca-se o menor valor da construção de um bem público, a pretexto de salvaguardar o erário, sem contemplar sua vida útil e os custos de manutenção.
No caso dos presidiários, cultiva-se a idéia, equivocada penso eu, de que o preso pode voltar à sociedade e abandonar a vida fácil (e na maior parte curta) dos crimes, o que é realidade para uma ínfima parte dos presidiários. Assim, o volume de presos cresce sem a infraestrutura necessária para a abriga-los, e abrem-se paliativos, como a não detenção para crimes menores(!!!).. Veja que a Coroa Britânica, cujos súditos são citados pela civilidade, não procede desta forma. Crime deve ser combatido, inclusive com repressão, que aliás, é o papel da polícia. Apenas para complementar, as medidas sociais são importantíssimas para resolver o problema no futuro.. Por ora, vivemos a barbárie!
Tanto que se assassina uma juíza sem o menor receio de punição..
abs, M.moliterno

Faustino Junior said...

Olá, Tadeu.
O Twitter com a relação entre o luxo e o inferno nos prédios do judiciário foi meu. Se soou demagógico para você, perdoe-me, pois não foi essa a intenção. Como engenheiro eletricista nunca tive Itaipu como "faraônica", (para citar o exemplo que você deu), mas acredito que alguns fizeram erroneamente essa avaliação.

Certamente as cortes precisam de locais decentes e bem projetados para seu importante trabalho. Há quem defenda que sejam também suntuosos e imponentes, pois, como as catedrais, impressionam e impõem respeito. Mas, no polo oposto, é preciso garantir a dignidade dos presos, pois são pessoas. Como você bem observou, no Brasil a lei não é cumprida. A lei é omissa quanto ao fausto das altas cortes, mas bem explícita para com a salvaguarda da dignidade dos presos. Enquanto presos forem amontoados como bichos sujos em jaulas superlotadas, não teremos esperança de justiça em nosso país. E isso não tem nada a ver com demagogia. Abraços.