26.12.09

Sentença com trânsito em julgado

Vasculhando meus arquivos de sentenças, encontrei esta aqui, interessante. Fui checar no site do TJ e verifiquei que foi confirmada em 2005.

DÉCIMA QUINTA VARA CÍVEL DA COMARCA DE S. PAULO

Processo n. 000.99.337581-9 (controle n. 2578/99)

V I S T O S.

HELOISA DE OLIVEIRA move ação de reparação de danos morais contra RESTCO COMÉRCIO DE ALIMENTOS S/A – MC DONALD’S. Alega que é estudante do quinto ano de Direito e trabalha diariamente das 08h às 17h, com intervalo de uma hora e quinze minutos para o almoço. Habitualmente almoçava num dos estabelecimentos da requerida. No dia 25 de março do ano passado, acompanhada dos seus colegas de trabalho, foi até a loja da requerida situada na Av. Paulista 2034 e pediu a promoção n. 01, consistindo num Big Mac, refrigerante e fritas. Entregue o produto e pago o preço, a autora foi até uma das mesas, sendo que lá já se encontravam vários colegas de trabalho dela. Sentando-se à mesa, foi retirar os picles do sanduíche, que não eram de seu agrado, e encontrou um inseto sobre um dos pedaços de alface. Assustada, gritou, chamando a atenção de todos os que estavam no local lotado. Chamou uma funcionária e imediatamente foi constatada a presença do inseto, causando constrangimento para a autora. O senhor Wilson Nunes assumiu o controle da situação e levou a autora a lugar mais reservado. Todo o restaurante começou a comentar sobre o acontecido. A autora passou por situação constrangedora, sendo que ouviu pessoas perguntando nas mesas se ela tinha chegado a morder o sanduíche. O senhor Wilson tratou a situação como normal e explicou que a presença do inseto devia-se a alguma falha de inspeção. A autora lavrou um termo de reclamação. Tendo em vista os danos morais decorrentes disso, pede a condenação da requerida ao pagamento de indenização, posto que discorda da conduta da requerida, que teria sido inerte. Juntou documentos (fls. 12/22).

A requerida foi citada (fls. 29) e apresentou contestação (fls. 31/38), com documentos (fls. 39/94). Menciona os fatos relativos à rede de sanduíches, que a tornaram mundialmente conhecida e discorre sobre a qualidade de seus produtos. Alega que é impossível comprovar como o inseto foi parar dentro do sanduíche. De qualquer forma, diz que tal fato é uma exceção dentro dos milhões de sanduíches vendidos diariamente pela requerida. Nega que tenha ocorrido qualquer dano indenizável e faz diversas citações. A autora apresentou réplica (fls. 97/104).

É o relatório.

D E C I D O.

Passo a decidir o pedido posto que se trata de questão de direito, não se fazendo necessária a produção de provas.

O pedido inicial é improcedente.

De fato, fazendo coro com o constante da r. sentença de fls. 88, “transtornos e desconfortos suportados por tantos quantos vivam em sociedade não configuram o dano extrapatrimonial”. Apesar da situação vivida pela autora ter sido constrangedora, temos que isso caracteriza simples desconforto e não algo que fique na memória, no inconsciente da pessoa, causando um dano. Aliás, a autora disse que estava com amigos, mas não mencionou o nome de nenhum deles. Disse que trabalha diariamente por longas horas, mas em sua declaração de pobreza isso fica somente como estágio. Na “queixa” prestada por ela na loja não consta a informação de que estivesse acompanhada de amigos.

Simples desconforto não justifica indenização. Nota-se nos pretórios uma avalanche de demandas que pugnam pela indenização de dano moral, sem que exista aquele substrato necessário para ensejar o seu ressarcimento. Está-se vivendo uma experiência em que todo e qualquer abespinhamento dá ensanchas a pedidos de indenização. Não é assim, porém. Conquanto existam pessoas cuja suscetibilidade aflorem na epiderme, não se pode considerar que qualquer mal-estar seja apto para afetar o âmago, causando dor espiritual. Quando alguém diz ter sofrido prejuízo espiritual, mas este é conseqüência de uma sensibilidade exagerada ou de uma suscetibilidade extrema, não existe reparação. Para que exista dano moral, é necessário que a ofensa tenha alguma grandeza e esteja revestida de certa importância e gravidade”(Dano moral indenizável, 2ª edição revista, atualizada e ampliada, do Dr. Antônio Jeová Santos, nosso antecessor como auxiliar desta Vara, editora Lejus, pgs. 115/116).

O que a autora experimentou certamente foi o simples desconforto mencionado pelo nosso ilustre antecessor. Talvez ela esteja, como freqüentadora da rede em questão, influenciada pelo que já chamaram de litigation-crazy society, ou seja, por uma sociedade, a norte-americana, louca, fascinada por litígios e processos. O pedido dela dá bem mostras disso, pretendendo indenização por um simples desconforto. Atender ao pedido dela, com o devido respeito, é pavimentar a estrada para que sejamos também uma sociedade como a americana, em que tudo é motivo para um processo, sem que isso signifique, necessariamente, que seja uma sociedade mais avançada. É uma sociedade mais avançada e evoluída em muitos aspectos, mas, no que diz respeito às indenizações pagas em grande número de processos, é o caso de dizer que temos dúvidas. Aliás, o montante a ser pago em indenizações por danos morais nos EUA ainda não está pacificado, sendo que tal questão está sendo objeto de apreciação pela Suprema Corte.

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial. Como a autora é beneficiária de gratuidade processual, não há condenação nas despesas decorrentes da sucumbência.

P.R.I.

S. Paulo, 17 de fevereiro de 2000.

JOSÉ TADEU PICOLO ZANONI

Juiz de Direito

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