3.1.14

Mais Nalini

Essa vem do blog do Fausto Macedo

Leia os principais pontos da entrevista concedida pelo desembargador José Renato Nalini, após sua posse na presidência do Tribunal der Justiça de São Paulo, nesta quinta feira, 2.
por Fausto Macedo

PARCERIAS
Nós precisamos de todos para que essa gestão corresponda às nossas aspirações e aos sonhos que são bastante ambiciosos. Trabalhar nós vamos trabalhar, mas precisamos da ajuda de todos. A Justiça não é só nossa, a Justiça é do Brasil e o Brasil precisa cada vez mais de Justiça. O maior Tribunal de Justiça do mundo não pode ser o maior só em tamanho, mas o melhor em eficiência e atendimento às espectativas e um pouco sequioso de Justiça num País de tantas iniquidades.
EPIDEMIA DE PROCESSOS
Vamos adotar estratégias para vencer essa epidemia de processos, não é normal que um País tenha 93 milhões de processos para 200 milhões de habitantes. Estamos judicializando questões que não precisam chegar ao Judiciário, um equipamento dispendioso, complexo, com 4 instâncias. As pessoas precisam pensar se vale a pena recorrer a esse acesso indiscriminado à Justiça, cuja saída é imprevisível. Não se sabe nem quando terminará o processo, nem qual será o resultado.
DEBATE COM A SOCIEDADE
É um debate grande, que precisa envolver toda a sociedade. É muito gratificante dizer que estamos no maior tribunal do mundo, mas será que é o melhor tribunal do mundo?, é o mais eficiente? Essa é a nossa meta, conferir eficiência à prestação jurisdicional. O Poder Judiciário precisa trabalhar com a sociedade, estamos num caso emblemático, que é São Paulo, o maior tribunal do mundo. Adianta proclamar que é o maior do mundo? Na Justiça convencional, o processo judicial, embora seja a forma mais civilizada de resolução dos conflitos, não me parece a ideal. Porque o processo faz com que aquilo que nós chamamos sujeito processual, na verdade, seja um objeto da vontade do Estado-juiz.
Qualquer pessoa que litiga tem essa experiência, ele tem uma dor concreta, um prejuízo, uma perda patrimonial, uma perda da liberdade, uma lesão à honra, muito concreto. Ele sente essa angústia, mas o que ele faz? Ele narra isso a um profissional, a um advogado, e a partir daí, se houver ingresso em juízo, o titular da perda praticamente fica excluído, ele não vai mais ser ouvido. Pode até ser ouvido, mas será através da condução das perguntas elaboradas pelo juiz, com a linguagem do juiz, não terá oportunidade de narrar o evento que o levou a procurar a Justiça, com suas próprias palavras, numa Justiça com 4 instância, o juiz do primeiro grau, o tribunal, e as coisas podem chegar ao Superior Tribunal de Justiça, que teria a função de pacificar a jurisprudência da lei federal, e não é raro (uma demanda)chegar ao Supremo Tribunal Federal. Quatro instâncias prolongam indefinidamente o andamento, a duração dos processos.
PEC DO PELUSO (proposta de Antonio Peluso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, que prevê execução da sentença já a partir do segundo grau)
Sou favorável. Nosso sistema é caótico, kafkiano, temos mais de 50 possibilidades de reapreciação do mesmo tema, o sistema recursal é muito sofisticado, é muito complexo. Sou favorável á redução (de instâncias), é uma estratégia muito importante de se valorizar a primeira instância. Os processos deveriam terminar no primeiro grau de jurisdição, ter uma ou outra decisão que precisasse ser reavaliada. O juiz de primeiro grau é o que tem contato direto, está na trincheira, ouve as partes, o fato acabou de acontecer, as coisas estão muito mais próximas . À medida em que os processos vão subindo às superiores instâncias vamos estudando teses, teorias, trabalhamos mais com as leituras, as interpretações do ordenamento e não com o fato concreto, que levou a pessoa a procurar a Justiça.
UM JUIZ EM CADA ESQUINA
A Justiça no Brasil tem que continuar crescendo, tem que chegar a um juiz em cada esquina? Temos que aumentar o número dos tribunais?, temos que aumentar os cargos, aumentar as estruturas? Ou precisamos tonar a Justiça mais eficiente para que ela produza mais, para que seja uma espécie de orientadora da aplicação da lei, para que a advocacia, essencial à administração da Justiça, cumpra o seu papel também de pacificação, de orientar as partes para que elas prefiram um acordo, uma conciliação, uma negociação?. Como não agigantar ainda mais o Judiciário? Estamos adotando estratégias de pacificação, em demandas que não tenham necessidade imprescindível de ingressar em juízo. Na gestão passada foram instalados 100 centros de cidadania. Isso é importante, vamos fazendo com que as pequenas questões sejam resolvidas prontamente.
BOLSA JUSTIÇA
A Justiça deveria ser reservada para as grandes questões. Não podemos continuar nessa linha de judicialização de tudo, as questiúnculas, as discussões, as brigas de vizinho, os ressentimentos. Não pode ser tudo convertido em ação judicial. Sabemos que a porta da Justiça ficou escancarada, foi ampliada, mas e a saída? A saída é um funil, quando é que termina um processo?, quanto tempo leva para terminar um processo? Você tem certeza que, ao final das 4 instâncias, a Justiça vai dar razão? Não temos esse prognóstico. Não quero aliviar o serviço do Judiciário, não quero dizer, em hipótese alguma, que o Judiciário quer trabalhar menos. Não é isso. O problema é que se continuarmos a fazer uma espécie de Bolsa Justiça, que alguém entre na Justiça apenas porque é de graça, é barato, porque declina de participar da discussão e entrega para um técnico, estamos fazendo com que sociedade seja puerilizada, infantilizada, não tenha condições de dialogar.
ESTADO-JUIZ
Quando vamos ter uma sociedade madura, capaz de se sentar à mesa e discutir e entender o ponto de vista do adversário para poder transigir, sabendo que se ela desistiu de uma coisa foi porque exerceu a sua autonomia? Em relação à solução negociada, conciliada, a ética é muito maior. Porque houve autonomia do indivíduo. Estamos fazendo um indivíduo ser protagonista, discutindo os seus problemas. Enquanto que, endereçando tudo para a Justiça, é o Estado-juiz que resolve o tamanho do seu prejuízo, ele tarifa a sua perda moral. Você é objeto da decisão do Estado-juiz. A decisão judicial é a mais utilizada das soluções de conflito, é a mais poderosa, mas pode ser, à vezes, não tão justa quanto aquela que resulte de um diálogo. Esse debate é a sociedade que tem que travar, senão vamos continuar nesse discurso de que precisa de mais juiz, de mais estrutura, de mais tribunais.
COBRAR DÍVIDAS É FUNÇÃO DA JUSTIÇA?
A grande maioria das ações envolve bancos, operadoras de telefonia e o poder público. Mesmo como corregedor eu já vinha tentando obter a colaboração desses maiores demandados, os maiores ‘clientes’ da Justiça, seja no polo passivo seja no ativo. Já vínhamos tentando obter alguns resultados, o Conselho Nacional de Justiça até já cadastrou os 100 maiores ‘clientes’. Com os bancos tivemos alguns progressos, como redução do número de folhas de contratos de financiamento imobiliário. São contratos, em geral, com 60 laudas, 48 laudas, que repetem a legislação. Alguns bancos já reduziram para 8 laudas. Veja as execuções fiscais. Cobrar dívida do Estado e dos municípios não é função do Judiciário. Na Corregedoria preparamos uma cartilha incentivando municípios a utilizar cartórios de protesto, a terem um cadastro melhor e a adotar outras medidas para receber, em vez de atulhar a Justiça de milhões de certidões de dívida ativa. Em São Paulo são 12 milhões de certidões. É função da Justiça ficar cobrando dívida de IPTU dos municípios? É uma demanda que representa quase 90% das ações. Esse trabalho vai continuar, mas precisamos rediscutir a Justiça brasileira.
REFORMA
A profunda reforma estrutural da Justiça não foi feita. As reformas do Judiciário continuam a insistir na lentidão. Haveria necessidade de inclusão do inciso 78 no artigo 5.º da Constituição, segundo o qual todos têm direito à oportuna prestação jurisdicional e aos recursos a ela inerentes? Isso já era implícito, já daria para extrair da Constituição. O Judiciário é serviço público, tem obrigação de ser eficiente. Por que a insistência?
METAS DE PRODUTIVIDADE
A lentidão é a única mácula consensual. Por que o CNJ começa a estipular metas de produtividade? Há um tempo li um crítico da Justiça, aliás todos são especialistas em Justiça no Brasil, todo mundo tem palpite, esse crítico falava da produtividade. Segundo ele, o juiz que não decide é punido, enquanto o juiz que decide mal é elogiado. Mas é claro, a resposta é muito simples. O juiz, quando decide mal, nas 4 instâncias alguém vai corrigir. Mas ele decidiu, entregou a prestação jurisdicional, enquanto que a sentença que não vem é um castigo permanente para aquela parte que está esperando a decisão. É muito mais nefasto o juiz não decidir do que decidir mal, porque decidindo mal a parte tem como recorrer, segurança jurídica vem através de uma decisão. Quem é que tem a infalibilidade papal? O juiz não tem. O Judiciário não tem. Num sistema como o nosso, o que vale é a interpretação. É muito comum que as pessoas não cheguem a um acordo. O Supremo não fica às vezes dividido? E são os 11 ministros, 11 seres humanos, encarregados de definir o que é constitucional e o que não é. Então, a meta da produtividade é saudável sim, pelo menos a parte tem uma decisão sobre a qual ele vai fazer incidir suas críticas.
LEIS E NORMAS EM PROFUSÃO
O pensamento é outro, hoje, O Judiciário continuará a ser o grande fornecedor da orientação jurídica, ele é o especialista em Direito. Agora, num País que toda hora tem lei, afinal, hoje todo mundo legisla, não é só o Parlamento, aliás o Parlamento é o que menos legisla, mas as agências, o BNDES, o Banco Central, todo mundo normatiza, e na verdade isso é legislar, num País assim você precisa de um tempo para mostrar qual seria a orientação. Não é para aliviar o Judiciário, é para formar uma cidadania madura, que tenha capacidade de implementar a democracia participativa.
RESPEITO AO MEIO AMBIENTE
Quero fazer com que o Judiciário não seja o mais antiecológico dos poderes. Vou reduzir ao máximo o suporte papel, inclusive vamos cortar os cartões de Natal, de aniversário, tudo tem que ser feito através de comunicação eletrônica. Vamos reduzir drasticamente o uso do papel, o Poder Judiciário é o mais anti ecológico dos poderes. Parece pouco, mas se economizarmos nas pequenas coisas vamos ter como custear as grandes demandas. Por isso, a importância da digitalização dos processos, gradualmente, sem ferir interesse nenhum.
PRONTO SOCORRO
Vamos reduzir a atividade meio e investir na atividade fim, estimulando a produtividade. Como? Priorizando a primeira instância. Vamos fazer um levantamento para identificar porque algumas varas com a mesma distribuição de ações está rigorosamente em dia e outras atrasadas. Vamos readequar o quadro funcional, está na hora de os servidores retribuírem com maior produtividade. Vamos investir no que chamamos de ‘pronto socorro’. As varas com problema sério, muito acúmulo de processos, contarão com os trabalhos da equipe de auxílio transitório. Vamos lá com um grupo de juízes e servidores e resolvemos, a pauta em dia. Vamos criar novas estratégias de produção, um projeto para agilizar, sem sufocar a criatividade de muitos funcionários que estão na linha de frente e que descobriram métodos para queimar etapas, reduzir fluxos. Podemos premiar as melhores performances. O Poder Judiciário depende do seu pessoal, então, que ele se sinta estimulado a corresponder às espectativas. Mas também temos que envolver todos os parceiros, todas as entidades, centros de inteligência, cérebros que podem contribuir para trazer novos métodos.
ELEVADO CUSTO COM ARQUIVAMENTO DE PROCESSOS
Causa espanto que, em algumas décadas viraremos pó, naturalmente por combustão ou quem preferir cremado, enquanto o processo tenha que ser guardado perpetuamente. São Paulo gasta R$ 5 milhões por mês para guardar processos findos. A Justiça precisa de outros investimentos para poder atender sua finalidade, que é solucionar conflitos. Mas estamos em vias de ser assinado contrato de R$ 431 milhões para guardar processo findo. E fico em uma situação profundamente desconfortável. É incabível guardar processos findos, que têm vocação de perenidade. Por que processo também não pode ser destruído?
PRÉDIO DE R$ 1 BILHÃO (projeto de construção do edifício para alojar os gabinetes dos desembargadores no Centro de São Paulo)
Nem por sonho, estive com o governador, foi assinado convênio em que há um protocolo de intenções para que isso seja fruto de uma PPP (Parceria Público Privado), mas depende de um conselho gestor que tem que analisar os impactos das grandes obras no Centro. Paralelamente, vou tentar implementar uma outra ideia, uma descentralização. Não se justifica fazer todas as sessões do tribunal com 360 desembargadores, todas em São Paulo, num trânsito caótico. Vou tentar levar para as regiões administrativas, desde que haja interesse dos desembargadores e depois de um levantamento sobre o número de processos compatível para fazer com que as sessões sejam realizadas nas regiões administrativas. Fica muito mais fácil para o advogado local e para a parte local, que pode assistir e colaborar para descongestionar esse trânsito caótico aqui da Capital. Prioritariamente, as sessões poderão ser realizadas em São José do Rio Preto, Ribeirão Preto e Campinas, regiões que mais tenham processo na segunda instância.

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