“Preço da reinação populista e marqueteira”
Sob o título “Jogando pra torcida“, o artigo a seguir é de autoria do juiz Gustavo Sauaia, de São Paulo.
Quando se pensa que os governantes não inventarão nada mais descompensado, eis que nos deparamos com a proposta do plebiscito para a reforma política. O mais impressionante (e assustador) é que a ideia conta com o apoio de formadores de opinião, incluindo editoriais. A longa distância, a proposta até pode parecer interessante. Mas é inadmissível que jornalistas e juristas com o mínimo de experiência – e bom senso – ignorem a presença de ao menos três motivos para jogá-la na lata de lixo.
1 – não há tempo hábil para a realização do plebiscito até um ano antes das próximas eleições – condição indispensável para que as novas normas valham para o pleito de 2014. Ao contrário do que alguns aproveitadores de desavisados querem fazer crer, plebiscito não é como uma pesquisa do IBOPE. Trata-se de um procedimento complexo, organizado pela Justiça Eleitoral com os mesmos cuidados de qualquer outra votação. É preciso haver um período razoável de campanha para a defesa das opções, incluindo horário eleitoral gratuito. O aparelhamento também demanda uma série de providências, como a convocação de novos mesários e o árduo preparo das urnas eletrônicas. Ademais, a Justiça Eleitoral se encontra prestes a realizar recadastramento biológico, programado para agosto em várias cidades. A situação, que já se mostraria caótica, ficaria incontrolável.
2 – os assuntos que pretendem levar para a escolha do eleitorado, como voto distrital misto e financiamento público de campanhas, já são de compreensão complexa até para bacharéis em Direito, quanto mais para leigos. Ainda que finalmente os brasileiros tenham tomado coragem de expor sua indignação, ela sozinha não é suficiente para superar a falta de cultura geral que assola grande parte dos eleitores. Não se trata de preconceito, e sim de realismo. Não faltaram exemplos negativos em consultas relativamente mais simples. Em 1993, o plebiscito entre presidencialismo e parlamentarismo foi decidido com base no argumento mentiroso do “a gente põe, a gente tira”, como se fosse simples e cotidiano fazer o impeachment. Sem contar a constrangedora e fracassada tentativa do Ministro do TSE, Paulo Brossard, para tornar a doutrina mais clara aos votantes. O referendo das armas, em 2005, também virou um tiroteio verbal que pouco ingressou no assunto realmente votado. Ante tais dificuldades, deixar toda uma reforma política nas mãos de quem não conhece o tema é meio caminho para, no lugar de uma solução, criar um monstro jurídico-político.
3 – afinal de contas, os congressistas não são eleitos e pagos justamente pra decidir temas complicados como estes? Vão jogar a tarefa em cima de quem os elegeu para isso? Rejeitar uma PEC oportunista (que eles mesmos criaram) é fácil. Transformar corrupção em crime hediondo, como se isso fosse o bastante para acabar com a impunidade, idem. Difícil é debater aquilo que, de fato, exige a capacidade que garantiram ter durante suas campanhas. É como se um jogador, na hora do pênalti, chamasse alguém da torcida para cobrá-lo. Minto. Pênalti é quase moleza. Na verdade, é como se o goleiro chamasse o torcedor para defender a penalidade máxima em seu lugar. Não quero dizer que o plebiscito nunca deve ser utilizado, mas em casos excepcionais, nos quais a plateia tenha condições efetivas de decidir. Do contrário, que me perdoem a insistência na comparação, mas é “pipocada”, mesmo.
O preço desta reinação populista e marqueteira, como disse acima, pode ser ainda pior que a confusão já dominante. Mais que novas normas, precisamos da revisão decididamente indispensável: a de caráter. O eleitor começou a fazer sua parte, deixando de ser apenas um resmungão – embora, curiosamente, esteja protestando contra prefeitos que acabou de eleger (quando não reeleger). É a vez dos membros de Poder assumirem suas responsabilidades, ao invés de jogá-las nos ombros alheios. Democracia não se faz brincando de batata quente.
Quando se pensa que os governantes não inventarão nada mais descompensado, eis que nos deparamos com a proposta do plebiscito para a reforma política. O mais impressionante (e assustador) é que a ideia conta com o apoio de formadores de opinião, incluindo editoriais. A longa distância, a proposta até pode parecer interessante. Mas é inadmissível que jornalistas e juristas com o mínimo de experiência – e bom senso – ignorem a presença de ao menos três motivos para jogá-la na lata de lixo.
1 – não há tempo hábil para a realização do plebiscito até um ano antes das próximas eleições – condição indispensável para que as novas normas valham para o pleito de 2014. Ao contrário do que alguns aproveitadores de desavisados querem fazer crer, plebiscito não é como uma pesquisa do IBOPE. Trata-se de um procedimento complexo, organizado pela Justiça Eleitoral com os mesmos cuidados de qualquer outra votação. É preciso haver um período razoável de campanha para a defesa das opções, incluindo horário eleitoral gratuito. O aparelhamento também demanda uma série de providências, como a convocação de novos mesários e o árduo preparo das urnas eletrônicas. Ademais, a Justiça Eleitoral se encontra prestes a realizar recadastramento biológico, programado para agosto em várias cidades. A situação, que já se mostraria caótica, ficaria incontrolável.
2 – os assuntos que pretendem levar para a escolha do eleitorado, como voto distrital misto e financiamento público de campanhas, já são de compreensão complexa até para bacharéis em Direito, quanto mais para leigos. Ainda que finalmente os brasileiros tenham tomado coragem de expor sua indignação, ela sozinha não é suficiente para superar a falta de cultura geral que assola grande parte dos eleitores. Não se trata de preconceito, e sim de realismo. Não faltaram exemplos negativos em consultas relativamente mais simples. Em 1993, o plebiscito entre presidencialismo e parlamentarismo foi decidido com base no argumento mentiroso do “a gente põe, a gente tira”, como se fosse simples e cotidiano fazer o impeachment. Sem contar a constrangedora e fracassada tentativa do Ministro do TSE, Paulo Brossard, para tornar a doutrina mais clara aos votantes. O referendo das armas, em 2005, também virou um tiroteio verbal que pouco ingressou no assunto realmente votado. Ante tais dificuldades, deixar toda uma reforma política nas mãos de quem não conhece o tema é meio caminho para, no lugar de uma solução, criar um monstro jurídico-político.
3 – afinal de contas, os congressistas não são eleitos e pagos justamente pra decidir temas complicados como estes? Vão jogar a tarefa em cima de quem os elegeu para isso? Rejeitar uma PEC oportunista (que eles mesmos criaram) é fácil. Transformar corrupção em crime hediondo, como se isso fosse o bastante para acabar com a impunidade, idem. Difícil é debater aquilo que, de fato, exige a capacidade que garantiram ter durante suas campanhas. É como se um jogador, na hora do pênalti, chamasse alguém da torcida para cobrá-lo. Minto. Pênalti é quase moleza. Na verdade, é como se o goleiro chamasse o torcedor para defender a penalidade máxima em seu lugar. Não quero dizer que o plebiscito nunca deve ser utilizado, mas em casos excepcionais, nos quais a plateia tenha condições efetivas de decidir. Do contrário, que me perdoem a insistência na comparação, mas é “pipocada”, mesmo.
O preço desta reinação populista e marqueteira, como disse acima, pode ser ainda pior que a confusão já dominante. Mais que novas normas, precisamos da revisão decididamente indispensável: a de caráter. O eleitor começou a fazer sua parte, deixando de ser apenas um resmungão – embora, curiosamente, esteja protestando contra prefeitos que acabou de eleger (quando não reeleger). É a vez dos membros de Poder assumirem suas responsabilidades, ao invés de jogá-las nos ombros alheios. Democracia não se faz brincando de batata quente.