1.9.12

Entrevista Eliana Calmon

Do blog do Fred, que deu mais detalhes no blog que na edição impressa


Corregedora diz que pretende filiar-se a uma ONG contra a corrupção quando se aposentar

A ministra Eliana Calmon chega ao final da gestão como Corregedora Nacional de Justiça com a sensação de que a corrupção no Judiciário não diminuiu nos dois anos em que denunciou as irregularidades nesse Poder.
“A corrupção apenas ficou mais exposta”, diz.
Ela evita criticar o sucessor, ministro Francisco Falcão, de quem é amiga. Não faz coro com os que preveem uma atuação menos incisiva da corregedoria.
Eliana não se arrepende de ter dito que há “bandidos de toga”: “Faria tudo outra vez.”
Ela diz que não pretende disputar uma cadeira no Senado. Seu projeto para a aposentadoria é filiar-se a uma ONG contra a corrupção.
Eis a íntegra da entrevista concedida ao editor deste Blog na quinta-feira (31/8), em Brasília, cujos principais trechos foram publicados neste sábado (1/9), na Folha:

A corrupção no Judiciário diminuiu com sua atuação na corregedoria ou apenas ficou mais exposta?
Ficou mais exposta. Não senti que houve uma diminuição.
Qual foi o episódio de corrupção mais grave?
Um desfalque na Justiça do Trabalho em Rondônia, mais de R$ 2 bilhões. Há advogados envolvidos e um desembargador, que foi afastado do cargo.
O seu sucessor, ministro Francisco Falcão, manifestou interesse em conhecer o que a corregedoria vem fazendo?
Estamos fazendo a transição há uma semana. Ele vai ficar com dois juízes auxiliares que eram da minha equipe. Serão a memória da corregedoria.
A senhora teme um retrocesso no combate à corrupção?
Eu não temo. Acho que ele dará continuidade a esse trabalho.
Ele empregava a mulher, a filha e a irmã em seu gabinete, quando foi juiz federal. Como poderá se impor como corregedor?
Na época, isso era comum no Judiciário. Não era ilegal. Era a mistura do público e do privado. Hoje o nepotismo é proibido e, há dois meses, encontrei no Tribunal de Justiça do Distrito Federal mais de duas dúzias de casos de nepotismo.
A senhora já disse que Falcão “é mais jeitoso, recebe todo mundo, os políticos gostam dele”.
Ele é um homem bom. Não é rancoroso. É de muito bom trato. Tem uma grande disposição para dar continuidade ao trabalho da corregedoria. Está com muito gosto em ser corregedor.
Como é o seu relacionamento com ele?
Sou muito amiga dele. Já moramos no mesmo edifício. No STJ, somos da mesma seção. Na Corte Especial sempre sentou ao meu lado. Nós viemos da Justiça Federal, temos muita ligação.
A senhora enfrentou resistências no Tribunal de Justiça de São Paulo. O atual corregedor do TJ-SP, desembargador José Renato Nalini, diz que a Corregedoria paulista serviu de modelo para o CNJ.
Nalini é uma das pessoas mais corretas e que mais entende de Poder Judiciário que eu conheço. Tenho ressentimento por não ter conseguido que Nalini chegasse a ministro do STJ.
E a corregedoria de SP é eficiente?
A corregedoria tem, há muito tempo, uma forma de controle muito interessante. Eu não posso dizer que seja de absoluta eficiência, porque São Paulo é muito grande. Mas a corregedoria paulista controla os seus juízes de alguma forma, coisa que não existe em muitas corregedorias.
O que a inspeção no TJ-SP descobriu?
Nós fizemos a inspeção fatiada, para usar uma expressão moderna… (risos). Eles estão cumprindo aquilo que nós prescrevemos. Encontramos algumas irregularidades em relação à folha de pagamento. Uma servidora levava para casa o computador onde estavam os pagamentos aos desembargadores. Ela foi exonerada pela nova administração.
Como ela agia?
Essa funcionária recebeu ordem de nos fornecer o material. Levou dois dias para cumprir. Dizia que não tinha chave… Quando o CNJ chegou no tribunal, o então presidente [José Roberto] Bedran deu ordem a ela para entregar as folhas de pagamento. Ela levou dois dias para entregar.
É verdade que essa folha de pagamento paralela era feita fora do tribunal?
Era no Fórum João Mendes. Isso foi desmontado. Não sei por quanto tempo funcionou. Encontramos isso em dezembro. A denúncia chegou ao CNJ por uma das associações de servidores.
Quais são os tribunais estaduais com pior desempenho de suas corregedorias?
Olhe, tem cada um… Mato Grosso do Sul, muito ruim. Piauí… O corregedor muitas vezes é refém, não quer se indispor com o seu chefe.
Qual tribunal estadual tem atuação elogiável?
O melhor tribunal em nível geral é o Tribunal de Justiça de Sergipe. Tudo funciona muito bem lá. Saíram primeiro na informática. Nas comarcas, os juízes não precisam se submeter aos prefeitos. Fazem concursos regulares. Têm as secretarias dentro de um critério de servidores que funciona.
O que o CNJ já conseguiu apurar na inspeção no TJ de Minas Gerais?
O TJ de Minas Gerais atrasou-se na informatização. O sistema está sucateado. As comarcas não se comunicam com o tribunal. Eles têm uma legislação para os servidores do tribunal, e uma específica para os demais servidores. Os que trabalham no tribunal têm muito mais regalias. É uma loucura, mas é uma lei estadual. Há concentração de cargos de comissão na segunda instância. A remuneração dos desembargadores, ninguém sabe…
Nem o CNJ conseguiu abrir essa “caixa-preta”…
Não. Nós fomos lá e não conseguimos. O que está contabilizado, o pessoal da Receita vai lá e pega. Eles chamam esse processo de “chupa-cabra”… (risos).
A investigação sobre um ex-secretário da Presidência do TJ-MG, suspeito de corrupção, partiu do CNJ ou da corregedoria do tribunal mineiro?
Foi a corregedoria local. Quando há uma corregedoria nacional atuante, que pode chegar lá e meter a mão, as corregedorias locais ficam mais atentas. Quando a denúncia chega aqui, eu mesmo ligo para o corregedor do tribunal, não espero.
Qual é a sua expectativa em relação ao CNJ sob o comando do ministro Joaquim Barbosa?
Será uma administração muito boa. Ele é rigoroso, muito ético. Em duas sessões que ele presidiu [substituindo Ayres Britto] eu vi que ele está muito antenado às coisas do CNJ. Ele não deixa que o processo fique no ‘nhenhenhem’. Puxa para cima. Não tem conversa fiada.
O que deverá mudar no Judiciário depois do mensalão?
Lamentavelmente, o povo brasileiro acha que a Justiça brasileira na cúpula não resolve nada. Essa análise vai mudar, independentemente do resultado do julgamento.
Como a senhora assistiu ao desgaste do ex-senador Demóstenes Torres? Ele era um aliado seu.
Eu tive relações funcionais. Ele elaborou uma emenda constitucional para o caso de o Supremo julgar a competência subsidiária da corregedoria. Me pareceu uma pessoa antenadíssima. Fiquei encantada com ele. Depois, fiquei arrasada. Só me consolava porque o senador Pedro Taques, um dos aliados da PEC, chegou a me dizer que foi “apunhalado pelas costas”.
Como ficou seu diálogo no STJ, ao mandar investigar a viagem de quatro ministros para o casamento do filho da ministra Laurita Vaz?
Eles entenderam que esse era o meu papel. Não houve, pelo menos aparentemente, não houve qualquer mossa no relacionamento com os colegas.
O Procurador-Geral da República até hoje, passados um ano e oito meses, não opinou sobre o caso do estagiário que acusou o presidente do STJ, Ari Pargendler, de assédio moral. O CNJ monitorou esse caso?
O STJ abriu um procedimento. Eu achei que as explicações dadas pelo ministro Pargendler eram plausíveis. Entendi que era melhor mandar arquivar, aqui no CNJ.
A senhora se arrepende de algo que falou, como os “bandidos de toga”?
Nada, absolutamente. Precisava ser falado, faria tudo outra vez.
Como ficou seu relacionamento com os presidentes da AMB (Nelson Calandra), da Ajufe (Gabriel Wedy, ex-presidente) e da Anamatra (Renato Sant’Anna), que pediram que a senhora fosse investigada sob alegação de violar o sigilo dos juízes [a proposta foi rejeitada pelo Procurador-Geral da República]?
Na atividade política do Judiciário, a gente não tem que ter rancores. Tenho relacionamento eminentemente institucional com as três entidades. No momento, estava muito zangada com a injustiça, pensei em sair da Ajufe. Foi doloroso para mim. Mas as instituições não são os seus dirigentes. Elas ficam, os dirigentes passam.
Houve alguma outra tentativa de desestabilizá-la?
Em maio, eu tive informações de que estavam fazendo um dossiê a meu respeito. Acho que deixavam vazar propositalmente, para que eu ficasse temerosa. Todo mundo tem fragilidade, as pessoas se retraem. Comigo não funcionou, eu fiquei enfurecida [levanta a voz].
A senhora tem uma imagem favorável na opinião pública e uma imagem negativa numa parcela do Judiciário. Muitos juízes dizem que seu objetivo era intimidar a magistratura, denegrir a imagem do Judiciário.
A imagem negativa de pessoas no Judiciário me incomoda, porque ela não é verdadeira. As manifestações que eu tenho tido de magistrados realmente me deixaram confortável. Estou saindo da corregedoria com uma boa sensação de que realmente fiz alguma coisa. Agora, há aqueles que não gostam de mim. Por exemplo, o Tribunal de Justiça da Bahia não aceita muito a orientação do CNJ. Entende que o CNJ invade a autonomia.
Ninguém acredita que a senhora, quando se aposentar, vai se dedicar à culinária. Há algum projeto político?
Eu não me vejo política. Dizem que eu teria uma eleição ganha para senadora. Não tenho aptidão. Sou uma mulher de temperamento muito independente, não me vejo pedindo voto.
E na advocacia?
Não. Pela minha idade, acho muito penoso bater perna no fórum, fazer sustentação oral. Acho que não poderia fazer advocacia de lobby, porque, pelo meu perfil, ninguém iria iria me contratar (risos). Eu penso muito em me filiar a alguma ONG, na área de denúncias de corrupção.

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