28.4.11

A questão da saúde ou Não somos elefantes

O Estadão de hoje traz uma matéria extensa a respeito da judicialização da saúde, com pedidos em Juízo para que o Estado pague por medicamentos. A matéria, que está mais completa na edição impressa, repete alguns chavões. Diz que os pedidos são geralmente de medicamentos caros, experimentais e de eficácia não comprovada.

Não é o que vejo na minha prática de quase cinco anos em vara da Fazenda. Os medicamentos são caros, sim, para o bolso de quem pede, sendo essa a razão do pleito. Alguns poucos são caríssimos sim. Nunca vi pedido de tratamento experimental ou de medicamento não registrado na Anvisa. Vi alguns pouquíssimos pedidos de medicamentos com eficácia discutida e não deferi. Aliás, num caso recente, nem houve recurso de quem pedia.

Existe um fator menosprezado por quem faz essas análises. A população está cada vez mais ciente dos seus direitos. Essa é a razão de tantos pedidos. Tem gente vivendo mais e melhor graças a esses pedidos e essas decisões. Em tais matérias muitas vezes fica parecendo que isso beneficia somente os laboratórios. Errado. Ainda bem que a matéria na edição impressa entrevista uma recepcionista que diz isso: está vivendo mais e melhor por causa da decisão judicial.

Outro ponto. Não é porque a doença é rara que ela não merece tratamento. O câncer também merece tratamento e, como parece aos meus olhos de leigo, os casos estão aumentando. Como negar tratamento? A nossa Constituição não diz que o portador de doença grave tem que ficar num cantinho e esperar a morte. Não somos elefantes.



Sobe 5.000% gasto do governo com remédio via Justiça

28 de abril de 2011 | 10h 17
AE - Agência Estado
Os valores gastos pelo Ministério da Saúde para cumprir decisões judiciais que determinavam o fornecimento de medicamentos de alto custo aumentaram mais de 5.000% nos últimos seis anos. Foram gastos R$ 2,24 milhões em 2005 contra R$ 132,58 milhões em 2010. Segundo José Miguel do Nascimento Junior, diretor do Departamento de Assistência Farmacêutica do ministério, os valores gastos no ano passado representaram 1,8% do total do orçamento destinado ao departamento.
No ano passado, a União foi citada em cerca de 3,4 mil ações judiciais em busca de medicamentos. Em 2009 foram pelo menos 3,2 mil processos do gênero. Na maioria dos casos, a Justiça determinou a entrega de medicamentos de alto custo - usados especialmente no tratamento oncológico ou de doenças raras.
Para o advogado Julius Conforti, que se dedica exclusivamente a ações judiciais na área médica e de saúde desde 2004, a judicialização é o efeito da ausência de medicamentos de ponta na lista das drogas cobertas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). "A judicialização da saúde não é um fenômeno que surgiu do nada, sem motivo algum. O grande problema é o déficit da atualização da listagem dos medicamentos de alto custo, especialmente os da área oncológica", diz. "E o governo se preocupa muito em tratar o efeito (as ações) em vez de se preocupar com a causa."
Listagem
Para Conforti, se todos os medicamentos de última geração estivessem incluídos na listagem do SUS os custos seriam mais baixos, já que seria possível fazer compras maiores e negociar preços. "Se a judicialização causa uma desprogramação do orçamento, é preciso pensar em formas de resolver isso."
Nascimento, do Ministério da Saúde, diz que a lista do SUS é atualizada a cada dois anos e contempla vários medicamentos que possuem ações similares àqueles pedidos judicialmente. "O SUS não é uma farmácia privada. Nem mesmo as farmácias têm todos os medicamentos requisitados. Para um remédio ser incorporado à lista, o SUS leva em consideração segurança e custo efetivo. E ainda há muitos medicamentos usados para tratar doenças não descritas na bula." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. 

Meio Ambiente contra Desenvolvimentolopment - Amazon: Truth and Myth - BBC

27.4.11

Furtando do blog do Gerivaldo

Copio aqui parte do último post do blog do Gerivaldo Neiva, juiz baiano e muito admirado. Reflexão interessante e necessária


Isto não vai dar certo. Este caminho não vai dar a lugar nenhum. O judiciário não tem condições de dar resposta a esta demanda e está prestes a implodir. Não adianta o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelecer metas todos os anos e promover mutirões por todos os lados, inclusive nas penitenciárias, pois a velha estrutura não suporta o peso e vai se quebrar.
Tudo isto é muito grave e demonstra o equívoco deste modelo de Poder Judiciário baseado no acolhimento, em sua estrutura secular, de todos os conflitos gerados por uma sociedade desigual, conflituosa e normatizada. O mais grave, no entanto, é que a doutrina (em boa parte), o ensino jurídico (com exceções) e juízes e Tribunais (em grande parte) acreditam que o Direito se resume ao estudo e aplicação de milhares de leis na solução de conflitos criados pela normatização desenfreada, ou seja, um Direito fundado apenas no conflito e na norma.
O Direito, neste emaranhado de normas e conflitos, um verdadeiro labirinto, parece que não tem mais saída, ou melhor, foi posto a trilhar um caminho que não leva a lugar nenhum. O Direito parece que foi engolido por um monstro de duas cabeças dependentes uma da outra e em eterna luta (de um lado a norma e do outro o conflito) e ganhou as feições de seu predador.
Para não dizer que não falei de flores, penso que o Direito, para sobreviver, precisa de um novo rumo, um norte-constitucional-mínimo (objetivos e fundamentos da República, por exemplo), uma nova forma de se colocar nos fenômenos sociais e, sobretudo, buscar formas para que a sociedade encontre seu destino no diálogo, na harmonia, na mediação de seus conflitos e na liberdade.

26.4.11

Do site do TJ/SP

20/04/2011
Dirigentes do Instituto de Previdência de Osasco são condenados por improbidade
        O juiz José Tadeu Picolo Zanoni, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Osasco, condenou Irineu dos Santos de Souza, Pedro Mendonça da Silva e Atrium Corretora de Títulos a devolverem solidariamente aos cofres do Instituto de Previdência do Município de Osasco (IPMO) o valor de R$ 976,6 mil por atos de improbidade administrativa.
        De acordo com a inicial, Irineu Souza e Pedro Silva, presidente e diretor financeiro do IPMO, são acusados de realizar negociação com títulos públicos por meio da Atrium. Os títulos, que tinham valor de mercado de aproximadamente R$ 3,4 milhões, foram vendidos por R$ 2,5 milhões.
        Por esse motivo, o magistrado julgou procedente o pedido e condenou os acusados a ressarcirem, de forma solidária, o valor integral do dano. A sentença suspendeu ainda os direitos políticos de ambos por cinco anos, além de proibi-los de contratar com o Poder Público pelo mesmo prazo.
        Cabe recurso da decisão.

        Ação Civil Pública nº 405.01.2010.015638-2
        Assessoria de Imprensa TJSP – AM (texto) / Arquivo e Internet (fotos) / DS (arte)
        imprensatj@tjsp.jus.br

20.4.11

É a cultura da infração, sim!

Acabo de receber o texto abaixo enviado pelo subscritor. Meu nome aparece no expediente de um site famoso, razão pela qual acabo recebendo muitos textos destinados a publicação. Estou copiando este porque concordo plenamente com seu teor. Temos a cultura da infração e seria necessária uma fiscalização bem maior. Por mim, podem colocar radares fotográficos a cada 100 metros nas marginais. Tem muita gente dirigindo com o pé no fundo, abusando da segurança da coletividade e expondo todos a muito perigo.


Indústria da multa ou cultura da infração?

Frequentemente ouvimos  de amigos e parentes que existe uma indústria da multa na cidade de São Paulo. Pessoas reclamam de radares, dos marronzinhos, do policiamento de trânsito,  dizendo que a cidade só sabe multar e multar.

Realmente os números impressionam,  em 2010 a CET (Companhia de Engenharia de Trafego) emitiu mais de 6,9 milhões multas de trânsito. A cidade conta com 2.450 agentes da CET e 547 radares. De acordo com o balancete anual do FMDT (Fundo Municipal de Desenvolvimento do Trânsito), o total de arrecadação em 2010 foi superior de R$ 580 milhões.

Estes números poderiam ser utilizados como argumento por qualquer cidadão para comprovar a existência da indústria da multa na cidade, mas os números podem enganar. Imagine uma cidade com 17 mil quilômetros de vias, 7 milhões de veículos licenciados, sem considerar os que circulam na cidade com origem em outros municípios e estados.
Se fizermos as contas por cima, chegaremos à conclusão  que foi emitido menos de uma multa por veículo em todo o ano, mas a nossa experiência diária de motorista sabe, é praticamente impossível que cada veículo cometa apenas uma infração no trânsito por ano, pois vemos infrações a todo momento, em qualquer lugar.

Diante de tantas barbeiragens que vemos no trânsito, quem não se pergunta pelo menos uma vez ao dia, “Cadê a CET que não vê isso?”. Ao contrário das bravatas e tentativas de recursos de alguns que são autuados, o que vemos é o hábito de se sentir melhor que outro, ganhar vantagem,  chegar primeiro a qualquer custo. Sentimos no volante que a educação dos nossos iguais no trânsito é assustadoramente  esumana,  e concordamos  que muito mais infrações são cometidas do que flagradas.

Chico Macena

Vereador de São Paulo pelo PT
Vice Presidente da Comissão de Política Urbana e Meio Ambiente da Câmara Municipal de São Paulo
foi presidente da CET e administrador regional de Vila Prudente / Sapopemba
www.chicomacena.com.br

19.4.11

Sentenças em março

Essa vem da assessoria de imprensa do TJ/SP


18/04/2011
Judiciário paulista registra mais de 359 mil sentenças em março
        Os magistrados da primeira instância da Justiça de São Paulo registraram, neste mês de março, 359.378 sentenças. Nesse mesmo período foram realizadas 129.389 audiências e cumpridas 70.016 precatórias. Segundo levantamento da Corregedoria-Geral da Justiça, foram distribuídos 401.511 novos processos  nas áreas cível, criminal, infância e juventude, execução fiscal e juizados especiais cíveis e criminais. Aualmente estão em andamento 18.996.622 processos.
        Ainda em março, foram efetivadas 311 adoções, sendo 308 por brasileiros e três por estrangeiros. Nos juizados especiais cíveis ocorreram 13.031 acordos. Desse total, 6.453 feitos por conciliadores e 2.679 por juízes, em audiências. Os 3.899 restantes se referem a acordos extrajudiciais comunicados ao juízo.
        No Tribunal do Júri foram 597 sessões. Nos juizados especiais cíveis foram registradas 7.423 execuções de títulos extrajudiciais e nos criminais apreciadas 1.975 denúncias (1.904 recebidas e 71 rejeitadas). No mesmo mês, foram efetuados 19.951 atendimentos e orientações a causas excluídas da competência dos juizados especiais cíveis.                 
        Nos juizados informais de conciliação, foram recebidas 1.869 reclamações e obtidos 898 acordos, sendo 163 extrajudiciais comunicados às unidades, 670 obtidos por conciliadores e 65 por juízes, em audiências. 
        Assessoria de Imprensa TJSP – RP (texto) / AC (foto)
        imprensatj@tjsp.jus.br 

18.4.11

DA coluna da Sonia Racy de hoje

Esse triste episódio da escola de Realengo pode trazer uma maior atenção tanto ao problema do bullying como ao problema das doenças mentais não tratadas. Essa entrevista na coluna da Sonia Racy, do caderno 2 do Estadão de hoje está muito boa.


‘ANTIDEPRESSIVO NÃO TRAZ ALEGRIA’

17 de abril de 2011 | 23h00
Direto da fonte
Valentim Gentil, do HC, fala sobre angústias modernas, esquizofrenia e como interpreta o episódio de Realengo
Foto: Denise Andrade/AE
Wellington Menezes, o homem que matou 12 crianças no Rio, era esquizofrênico ou psicopata? Valentim Gentil, diretor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, à frente de 500 atendimentos diários, não faz diagnóstico: “Acho antiético e tecnicamente errado. Mas, certamente, não o considero uma pessoa equilibrada”. Gentil lembra que na literatura e na humanidade há casos de indivíduos em estado mental agudo fazendo coisas tresloucadas. Entretanto, da forma como ocorreu a matança, a ação de Wellington não é padrão de comportamento de esquizofrênico. “Não há evidências de que ele delirava”, diz.
O professor titular de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP interrompeu sua rotina para receber a coluna e defender inflamadamente o uso criterioso de antidepressivos. Avalia que as críticas a essas drogas ocorrem justamente por causa do seu sucesso comercial. Acredita que os benefícios dos remédios superam os efeitos colaterais, mas esclarece que eles em si não trazem alegria: “O antidepressivo não é a pílula da felicidade”. Alerta, ainda, sobre preconceito crescente contra esquizofrênicos pós-massacre de Realengo. Para ele, Wellington era alterado, não necessariamente doente.
O que levou o atirador de Realengo àquela atitude?
Ao que parece, ele estava agredindo, deliberadamente, pessoas que tinham a ver com a história dele. Eram da mesma escola e da mesma idade que ele tinha quando estudou lá, numa tentativa de se vingar em gerações subsequentes. Sabia exatamente o que estava fazendo. Acho perigoso bater na tecla da esquizofrenia porque 1% da população tem essa doença e, coitados, eles já sofrem o suficiente.
Qual é a vantagem de um diagnóstico precoce?
Se for um problema médico, dá para prevenir. E seria muito legal que escolas, famílias e grupos sociais, ao detectarem algo anormal, encaminhassem a pessoa para uma avaliação. Assim, evitariam sofrimento.
Com a desospitalização, aumentam-se os riscos de os doentes ficarem à solta?
Não. O que aumentam são os riscos de gente doente ficar sofrendo sem atendimento. Os doentes não são necessariamente perigosos. Há muita gente perigosa, que não é doente, solta.
A criança que sofre bullying tem mais chances de se tornar um adulto com problemas emocionais e até de cometer crimes?
Dependendo da capacidade de superação, isso pode prejudicar a autoestima. Mas não há nenhuma epidemiologia mostrando que os criminosos sofreram bullying. Quem sofreu, normalmente não é agressivo.
A esquizofrenia, a depressão e a bipolaridade são consequências do meio ou do DNA?
Das duas coisas. Algo que é conhecido há mais de 5 mil anos não é modismo, não é fruto do estresse contemporâneo e nem só dos hábitos das pessoas.
Mas são mais frequentes hoje?
Muita coisa que se faz hoje aumenta o risco. O uso de cafeína, de remédios para emagrecer ou para tratar o déficit de atenção em crianças, além do abuso de álcool, podem despertar transtorno bipolar ou o primeiro ataque de pânico. Isso pra não falar de cocaína ou crack, que aumentam o risco de quadros paranoicos.
Há exagero nas prescrições dos remédios atualmente?
Talvez existam pessoas hipermedicadas. Mas em termos de saúde pública, não. A população ainda é subtratada.
Quais são os efeitos colaterais dos antidepressivos?
Depende do tipo de antidepressivo. Há secura de boca, prisão de ventre, queda de pressão, sedação, excitação, ganho de peso, inibição de orgasmo e até do interesse sexual. Quando bem utilizado, a relação entre efeitos terapêuticos e colaterais justifica sua manutenção para tratamento.
Por que os antidepressivos são tão estigmatizados? Por causa dos efeitos colaterais?
Não, acho que porque eles são bem sucedidos comercialmente. Por que os banqueiros são estigmatizados?
Como o consumo desses remédios altera os relacionamentos?
Os antidepressivos são capazes de produzir uma alteração na resposta emocional. Não de alegria, nem de euforia, mas de mais tranquilidade ou de mais indiferença. As pessoas que tomam antidepressivos não ficam mais felizes, a não ser que elas tenham transtorno bipolar. O antidepressivo não é a pílula da felicidade.
Qual é a diferença entre tristeza e depressão?
Depressão é um conjunto de sintomas. Tristeza é só um deles.
Quando se define que uma pessoa precisa ser tratada?
Não é o tamanho da crise, é a qualidade. Até quando você deve aguentar uma depressão e correr o risco de um infarto?
Só remédio adianta ou há necessidade de terapia?
Quando se está com determinada forma de depressão, com prejuízo de atenção, raciocínio e concentração, fica difícil aproveitar a terapia.
E como saber a quantidade do medicamento?
São anos e anos de pesquisas para descobrir a faixa terapêutica de cada medicamento.
É na base de teste?
Não é como se fosse tratar de cobaias. Seguimos padrões de diagnósticos, construímos uma hipótese. E indicamos um tratamento: psicanálise, psicoterapia de família, antidepressivo, eletrochoque. Usamos todo o conhecimento disponível para ajudar as pessoas. Essa é a história da medicina.
Psiquiatra é caro?
Se estiver falando de uma consulta de alguém de classe média alta no Rio e em São Paulo, por 40 minutos, num consultório particular, com hora marcada, com direito a cafezinho, é caro. Mas isso não tem a ver com modelo de assistência em saúde pública, que é muito barato: custa R$ 10 uma consulta pelo SUS no HC.
Pode explicar o que é a síndrome de burn out?
O burn out é um esgotamento. Significa que você queimou todas as suas reservas.
Está muito frequente entre empresárias…
As mulheres estão pagando um preço grande por virar homem: fumar, trabalhar muito, carregar peso, coisas assim. O organismo não foi feito para isso. A Marta (jogadora de futebol) é muito melhor do que eu em qualquer esporte, mas ela paga caro por isso.
A felicidade é química?
Não. É biológica. Você já viu alguma pedra feliz?
Os psiquiatras têm problemas mentais?
Não, imagina! Quando entramos na faculdade de medicina a gente toma uma pilulazi

17.4.11

Justiça na Venezuela

A seguinte matéria do Estadão de hoje, caderno Aliás, dá um retrato extremamente preocupante do rumo do Poder Judiciário na Venezuela. Aliás, dá um retrato triste dos rumos daquele país. Vejam.


Justiça relâmpago

Como Hugo Chávez transformou em criminosa a magistrada que ousou fazer corretamente o seu trabalho: aplicar a lei

17 de abril de 2011 | 0h 49
Belisário dos Santos Jr. - O Estado de S.Paulo
"A Justiça morreu!", disse a juíza venezuelana Maria Lourdes Afiuni, em prisão domiciliar, aos advogados da missão da International Bar Association, IBA (Associação Internacional de Advogados), que a visitavam em Caracas, em fevereiro. O "crime" da juíza Afiuni: haver reconhecido, no final de 2009, o excesso de prazo para a prisão preventiva de um acusado de fraude financeira, preso provisoriamente havia quase três anos, quando o período máximo previsto em lei é de dois anos. A especial circunstância: aquele era um "preso de Hugo Chávez".
Afiuni simplesmente aplicou a lei de seu país, e pagou caro por essa ousadia. Quinze minutos após divulgar sua decisão, a magistrada foi presa. A data da detenção não podia ser mais amargamente irônica: 10 de dezembro, dia internacional dos direitos humanos.
Horas depois da prisão de Afiuni, o presidente Hugo Chávez, em pronunciamento veiculado por cadeia nacional de televisão, pediu pena de 30 anos de prisão para a juíza, que havia determinado a libertação de um inimigo do regime.
Nunca houve, entretanto, recurso oficial da decisão da juíza. Em vez disso, ela foi acusada de vários crimes, inclusive o de "formação de quadrilha", acusação posteriormente abandonada diante da ausência de "cúmplices". A acusação de corrupção também caiu ante a falta de prova de qualquer intenção, por parte de Afiuni, de obter vantagem pessoal com sua decisão.
O episódio mostra-se ainda mais estarrecedor diante do fato de que, antes mesmo da decisão da magistrada, o grupo de trabalho da ONU sobre detenções arbitrárias já havia considerado abusiva a prisão por ela revogada.
Trata-se de exemplo flagrante do processo de desinstitucionalização progressiva por que passa a Venezuela. As instituições são formalmente mantidas, mas já não servem ao seu objetivo. Hoje, naquele país, o Estado chama-se Chávez.
Desde 1999, a Constituição Bolivariana dá autorização para a livre remoção de juízes, sem direito de defesa, a título de "depuração da Justiça". Mais da metade do Poder Judiciário é hoje composta de juízes provisórios, que podem ser destituídos ao sabor da vontade do Executivo. São inúmeros os casos de juízes destituídos por tomarem decisões contrárias aos interesses do governo.
Chávez determinou também o aumento da composição do Tribunal Supremo de Justiça, tendo nomeado, em dezembro de 2004, 17 membros efetivos e 32 suplentes, grande parte dos quais ativistas políticos do partido oficialista. Desse modo, segundo análise da Human Rights Watch, o governo se apoderou do mais alto tribunal do país.
A supressão da independência da Justiça venezuelana vem sendo abertamente defendida por alguns de seus principais representantes. A chefe do Poder Judiciário afirmou publicamente, em 2009, que o princípio de separação de poderes debilita o Estado.
Há poucas semanas, falando em nome do Tribunal Supremo, um magistrado afirmou que a função principal do Poder Judiciário na Venezuela é apoiar a busca do governo nacional por um socialismo bolivariano e "democrático". E esclareceu os parâmetros "legais" dessa busca: a lei que foi justa ontem, hoje pode não ser mais, ainda que não revogada.
Em depoimento à missão da IBA, uma respeitada juíza venezuelana testemunhou que, desde 1999 até agora, as sentenças vêm sendo proclamadas sob o risco de pronta destituição do magistrado. Agora, além disso, as decisões são adotadas sob o terror da prisão imediata. É o "efeito Afiuni".
Não é exagero supor que a prisão da juíza Afiuni tenha sido praticada como uma espécie de pena de morte velada. As prisões venezuelanas estão entre as mais violentas do mundo, com mais de 450 mortes por ano. A juíza foi obrigada a conviver com presas que ela havia condenado. Foi submetida a humilhações e maus-tratos. Teve recusada atenção médica em várias oportunidades.
Por longo tempo, determinações tanto da Comissão quanto da Corte Interamericana de Direitos Humanos que apontavam a ilegalidade da prisão de Afiuni e instavam o Estado venezuelano a conduzir a juíza a local mais apropriado e seguro foram simplesmente ignoradas. Somente no início de fevereiro, quase 14 meses após sua prisão, o crescente clamor internacional resultou na troca da reclusão em penitenciária pela prisão domiciliar.
Numa reafirmação daquele que deve ser o compromisso de qualquer advogado diante de toda injustiça - e na presença da mãe, da filha e dos advogados da magistrada -, os membros da missão da IBA prometeram a Afiuni divulgar o vergonhoso episódio de sua destituição, perseguição e prisão, e o aparato ideológico arbitrário que o envolve.
Ao saírem da modesta residência, os membros da missão da IBA puderam ler, grafitado nos muros ao redor da casa da juíza, o desagravo de seus concidadãos: "Juíza Afiuni, integridade e valor".
BELISÁRIO DOS SANTOS JR., ADVOGADO,
FOI SECRETÁRIO DA JUSTIÇA E DEFESA DA
CIDADANIA DO ESTADO DE SÃO PAULO, É MEMBRO DA COMISSÃO INTERNACIONAL DE JURISTAS
E INTEGROU A MISSÃO DA IBA À VENEZUELA 


15.4.11

Ação Popular no caso do banco Panamericano

Está no caderno de Economia do Estadão de hoje





Ação popular tenta reaver prejuízos com Panamericano

Processo movido por desembargador quer desfazer negócio com o BTG e decretar a [br]liquidação do banco

15 de abril de 2011 | 0h 00
Fernando Scheller - O Estado de S.Paulo
Uma ação popular movida pelo desembargador Walter do Amaral, 66 anos, tenta reaver prejuízos supostamente causados pelo rombo do Banco Panamericano ao patrimônio público. A ação propõe que a conta - calculada em pelo menos R$ 695 milhões - seja dividida entre o ministro da Fazenda, Guido Mantega; pelo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini; pela ex-presidente da Caixa Maria Fernanda Coelho; e pelo empresário Silvio Santos - todos citados como réus.
No centro dos argumentos está a compra de 49% do Panamericano pela Caixa Econômica Federal por R$ 739 milhões. O negócio foi fechado em dezembro de 2009, menos de um ano antes do estouro da fraude contábil na instituição controlada pelo Grupo Silvio Santos. O valor de R$ 695 milhões da ação se baseia na perda de valor do Panamericano depois de o rombo de mais de R$ 4 bilhões em sua contabilidade se tornar público. Com isso, diz o texto, a Caixa perdeu a maior parte do investimento.
A ação também pede que o negócio entre o Banco Panamericano e o BTG Pactual seja declarado nulo. O autor afirma que somente a liquidação extrajudicial da instituição poderia apurar responsabilidades concretas para os problemas de administração do banco, eventualmente punindo sócios e dirigentes. O texto também solicita que a Caixa Econômica Federal fique impedida de fazer novos aportes ao Banco Panamericano e que o Ministério da Fazenda seja proibido de conceder incentivos ao BTG.
Andamento. Ainda em primeira instância, a ação tramita atualmente da 17.ª Vara Cível de São Paulo. O caso ficou nas mãos da juíza Adriana Pileggi de Soveral, que determinou segredo de Justiça para o tema. Ela também indeferiu os pedidos de liminar incluídos na ação do desembargador Walter do Amaral, embora ainda não tenha se pronunciado sobre o mérito.
Segundo o Estado apurou, a resolução do caso pode demorar décadas. O valor da ação pode mudar à medida que novos indícios de prejuízos aos cofres públicos surgirem. Da mesma forma, será preciso anexar documentos ao processo, uma vez que atualmente toda a argumentação inicial está baseada em notícias de jornais, revistas, redes de televisão e em posts de blogs na internet.
Entre os documentos que o autor da ação solicita estão as atas de reuniões do Banco Central e da Caixa Econômica Federal referentes à compra da participação acionária no Banco Panamericano. A manifestação favorável do BC ao negócio entre a Caixa e o banco de Silvio Santos só veio em junho de 2010, cinco meses antes de o rombo nas contas da instituição vir a público.
Outro lado. Procurados pela reportagem, o Ministério da Fazenda, o BTG Pactual, o Banco Central e o Grupo Silvio Santos informaram que não se manifestariam sobre o assunto.
A Caixa Econômica Federal também se negou a comentar diretamente o tema, mas argumentou que adotou "todos os procedimentos legais" ao fechar o negócio com o Banco Panamericano, no fim de 2009. A instituição lembra que contratou o Banco Fator para obter aconselhamento sobre o negócio. "(O Banco Fator), por sua vez, contratou a KPMG para o trabalho de due dilligence (do negócio)", informou a instituição, em nota.
PARA LEMBRAR
O desembargador Walter do Amaral não é um novato em ações populares: foi ele o responsável, em 1980, por iniciar o processo referente às perdas ao patrimônio público causadas pela Paulipetro, malfadada tentativa do então governador Paulo Maluf de formar uma empresa para explorar petróleo no Estado de São Paulo. No fim de 2007, após tramitar por quase três décadas, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou Maluf, a Cesp (Companhia Energética de São Paulo) e o Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT) a arcarem, ao lado de outros réus, com uma conta à época estimada em R$ 4,3 bilhões. Mesmo após a decisão em última instância, o hoje deputado federal entrou com uma ação rescisória no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tramitou até o início deste ano. Agora, o valor atualizado da sentença teria inflado para R$ 5 bilhões. O processo já entrou em fase de execução - ou seja, a Justiça começará a coletar bens entre os envolvidos para fazer frente ao pagamento.