O Judiciário brasileiro mais uma vez reafirma o entendimento de que, se um feto não tem condições de sobreviver fora do útero, a gestante pode interromper a gravidez. Dessa vez o caso foi em Goiás, onde uma mulher obteve autorização judicial para abortar após o feto ser diagnosticado com trissomia do 18, também conhecida como Síndrome de Edwards, que causa uma série de severas má-formações.
Jesseir Coelho de Alcantara, juiz da 13ª Vara Criminal de Goiás, ressaltou que a legislação não permite a interrupção da gravidez no contexto no qual o caso se apresentava. O julgador explicou que trata-se de um aborto eugênico, quando o feto corre seríssimos risco de não sobreviver — a lei permite o procedimento apenas em gestação ocasionada por estupro ou se a vida da gestante está em risco.
Porém, Alcantara entende que seria um erro seguir de forma engessada as leis. Para ele, o pensamento jurídico está em evolução e permite enquadrar, em determinados casos, o aborto eugenésico como aborto necessário.
"Poder-se-ia, no caso, preferir o formalismo e, com isso, concluir pela impossibilidade jurídica do pedido. Contudo, diante da realidade vivenciada, onde a prática de abortos clandestinos é maciça e extremamente tímido o controle dessa banda criminosa pelo Estado, com grave repercussão na saúde pública e das gestantes, inclusive com a perda da própria capacidade gestacional, não pode a justiça, na minha limitada visão, deixar de prestigiar a responsável via escolhida pela requerente, ao buscar, no Poder Judiciário, a solução para sua pretensão”, afirmou na decisão.
O juiz relembra que outras decisões judiciais autorizando abortos de fetos com Síndrome de Edwards já foram estabelecidas pela Justiça brasileira. Além disso, o caso se assemelha à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que passou a permitir o aborto em caso de fetos com anencefalia.
A defesa da gestante foi feita pelos advogados Danilo Gouvea de Almeida e Antonio Henriques Lemos Leite.
Descriminalizando o abortoEm
julgamento recente, a 1ª Turma do STF decidiu em análise de Habeas Corpus que interromper a gestação até 3º mês não é crime. Em seu voto, o ministro Luiz Roberto Barroso afirmou que a proibição ao aborto é clara no Código Penal brasileiro, mas deve ser relativizada pelo contexto social e pelas nuances de cada caso.
Segundo ele, a interrupção da gravidez é algo feito por muitas mulheres, mas apenas as mais pobres sofrem os efeitos dessa prática, pois se submetem a procedimentos duvidosos em locais sem a infraestrutura necessária, o que resulta em amputações e mortes.