A primeira audiência conjunta das associações da magistratura com o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, foi realizada em clima tenso nesta segunda-feira (8/4).
O encontro mereceu uma nota de poucas linhas no site do STF, ao registrar que Nelson Calandra (presidente da AMB), Nino Toldo (presidente da Ajufe) e João Bosco Coura (presidente em exercício da Anamatra) “vieram entregar um documento em que apresentam preocupações das entidades”.
Ainda segundo a notícia oficial, “no documento, as entidades fazem referência à política de remuneração dos magistrados com o intuito de recuperar ‘perdas sofridas pelo subsídio’ e à necessidade de mudanças no Código Penal e no Código de Processo Penal para evitar a impunidade”.
Em seu site, a Ajufe publicou comentário de Toldo, ao final do encontro:
“A Ajufe, junto com as demais associações de classe da magistratura, procurou, nessa reunião, estabelecer diálogo com o presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. Contudo, o clima tenso da reunião mostra que esse diálogo não será fácil”.
Segundo relata Juliano Basile, do “
Valor Econômico“, no início do encontro Toldo afirmou que a entidade tinha um ofício com propostas para fortalecer o Judiciário e o Estado de Direito.
“Os senhores acham que o Estado de Direito no Brasil está enfraquecido?”, questionou Barbosa. “Nós temos, seguramente, a mais sólida democracia da América Latina. Me causa estranheza pedir o fortalecimento das instituições democráticas, mas, enfim, eu vou ler o documento.”
“Os senhores não representam o CNJ. Os senhores não representam a nação. São representantes de classe. Mas eu não vim para debater com os senhores”, disse o presidente do Supremo.
Barbosa lembrou que entidades de juízes entraram com ações no STF contra o CNJ. Calandra alegou que a AMB entrou com ação para que a Corregedoria do CNJ só atuasse nos casos de suspeitas contra juízes, após a apuração pelos tribunais. Nessa ação, a AMB foi derrotada por um voto no STF.
Toldo disse que as associações de juízes apoiam o CNJ. “O CNJ não necessita de apoio”, rebateu Barbosa. “Os seus atos estão previstos na Constituição e nas leis.”
“Essa questão está superada”, desconversou Barbosa. “O gabinete do STF não é o local para discutir essas questões. Vocês têm um documento sobre o quê?”
“É um documento de reinvindicações?”. Antes de ouvir uma resposta, recomendou: “Quando vocês tiveram algo para propor, antes de ir à imprensa, encaminhem à presidência”.
Os presidentes das associações lembraram que tentam há meses uma audiência com o presidente do STF.
Barbosa comentou, apontando para o presidente da Ajufe. “Eu recebi este senhor”.
“É Nino Toldo, senhor presidente”, respondeu o presidente da Ajufe.
“Não sou obrigado a lembrar o seu nome”, respondeu rispidamente o presidente do STF, ainda segundo o relato da Ajufe.
O clima ficou ainda mais pesado quando Barbosa tratou da criação de quatro novos tribunais regionais federais.
O ministro afirmou –ainda segundo a Ajufe– que as associações teriam “induzido” deputados e senadores a erro, fazendo o Congresso acreditar que a PEC seria benéfica para a população. “Pelo que eu vejo, vocês participaram de maneira sorrateira da aprovação. São responsáveis, na surdina, pela aprovação”, afirmou Barbosa.
O vice-presidente da Ajufe, Ivanir César Ireno, saiu em defesa da associação, segundo informa a entidade: “Sorrateira não! Democraticamente, de forma transparente, republicana. Emitimos nota técnica. Sorrateira em hipótese alguma!”
Barbosa lembrou que ele estava no gabinete da presidência do STF: “Fale baixo. O senhor não foi convidado para essa reunião. Somente dirija a palavra quando eu lhe pedir!”.
Barbosa comentou com ironia a construção dos novos tribunais: “Tenho certeza de que essas sedes serão construídas em resorts e praias”.
“Em Minas Gerais, não tem praia”, rebateu Toldo. Barbosa disse, então, que a aprovação de novos TRFs foi uma irresponsabilidade, pois deve, segundo ele, triplicar o número de juízes no Brasil.
“Essa é uma visão corporativa. A Justiça Federal vem se interiorizando de maneira impensada e irracional. É um movimento de irresponsabilidade. Eu gostaria de ter sido ouvido pelo Congresso, e não fui.”
Nino Toldo disse que a Ajufe não agiu de forma sorrateira e que não aceitava o termo, visto que a Ajufe sempre agiu de forma clara e transparente, apresentando notas técnicas.
Toldo defendeu a promoção dos juízes por merecimento e foi chamado de “líder sindical” por Barbosa.
Quando Calandra elogiou a atuação de Barbosa no julgamento do mensalão, Barbosa respondeu: “Mas o STF se prestigia por si próprio”.
“Eu recebo críticas injustas, infundadas, algumas são feitas com elementos falsos. Mas esse é um tribunal aberto, que delibera em público. Nada ocorre aqui nas sombras”, continuou.
“Estou no STF há dez anos e relatei milhares de processos. Esse processo foi apenas mais um, o mais retumbante. Agi nesse processo da mesma forma que em outros. Não houve nada de extraordinário nesse processo em relação aos demais”, enfatizou Barbosa.
Ao final do encontro, Barbosa advertiu os presidentes das associações: “Nós não podemos raciocinar com aquilo que é apenas de nossos interesses. Temos que pensar no interesse de toda a sociedade”, afirmou.
“E, na próxima vez, não tragam representantes que não sejam os senhores”, disse aos presidentes das associações. “Venham apenas os senhores”, pediu, encerrando a reunião.