STF vai caracterizar crimes econômicos no mensalão
No julgamento, marcado para começar em 2 de agosto, o STF definirá o que pode ou não ser qualificado como lavagem de dinheiro, com implicações diretas na atividade de bancos e empresas do país
“O STF vai decidir quem é o responsável pelo crime de lavagem, e essa definição terá impacto direto para os bancos, bem como para corretoras de valores”, diz o criminalista Pierpaolo Bottini, que defende o ex-deputado Professor Luizinho, do PT, um dos denunciados no caso. Como a acusação envolve uma série de condutas diferentes, será preciso esclarecer quais delas estão inseridas no conceito de lavagem e quem pode ser declarado culpado: quem fez os saques na boca do caixa, os políticos que pediram a verba aos bancos, os dirigentes das instituições financeiras que não teriam fiscalizado o procedimento?
Um dos motivos que levam o julgamento do mensalão a ter resultado imprevisível é que o STF não costuma analisar processos criminais desde o começo, inclusive aqueles envolvendo lavagem de dinheiro.
“O Supremo nunca enfrentou o assunto tão frontalmente. São pouquíssimos acórdãos sobre lavagem de dinheiro”, diz o advogado Luciano Feldens, que defende o publicitário Duda Mendonça. “É difícil chegar esse tipo de delito no STF porque, a rigor, é uma Corte Constitucional”, aponta João Gomes, advogado do ex-deputado Paulo Rocha, do PT, outro acusado.
Em geral, questões criminais são levadas ao Supremo em habeas corpus, mas a maioria deles é analisada pelas turmas, onde votam cinco ministros, e não no plenário, onde votam os onze integrantes do Supremo Tribunal Federal. “O habeas corpus é um remédio para sanar alguma ilegalidade e, nesses julgamentos, não se costuma fazer um mergulho profundo na prova”, diz João Gomes.
No mensalão, isso será diferente. O foro privilegiado de alguns dos acusados levou o caso diretamente ao Supremo, sem passar pela 1ª instância. Assim, além de verificar as provas contra cada um dos 38 réus, os ministros terão que analisar a fundo questões teóricas de direito penal que são novas na Corte.
Em relação ao crime de lavagem, os ministros vão discutir se o beneficiário de um saque tinha que saber previamente da origem do dinheiro para ser considerado culpado, e quais as evidências necessárias para provar isso. É o caso de réus que sacaram dinheiro de contas dos bancos Rural e BMG, justificando que era verba para campanha, como os deputados Paulo Rocha e Professor Luizinho. O Ministério Público chegou à conclusão de que essas verbas vinham do “valerioduto”. Agora, caberá ao STF dizer se esses réus e os diretores do banco devem ser condenados.
“O Rural tem convicção de que o banco e seus executivos à época cumpriram as regras e a legislação vigentes”, informou o Rural em nota. O banco enfatizou que informou ao BC e ao Coaf sobre “todas as transações ocorridas no período e passíveis de comunicação” e que mesmo não tendo a obrigação de identificar as pessoas que fizeram os saques, manteve as informações em seu sistema e apresentou-as às autoridades.
Uma das discussões mais importantes é a do chamado dolo eventual na lavagem de dinheiro. A lei não admite a lavagem com culpa – quando uma pessoa não tem certeza de que está infringindo a lei. Na lavagem, é preciso que haja dolo, ou seja, crime cometido com conhecimento prévio. A dúvida diz respeito ao meio termo, o chamado dolo eventual, nos casos em que a pessoa sabia que havia algo suspeito e mesmo assim agiu em desacordo com a lei. É o caso da mãe de um traficante que recebe dinheiro do filho e compra uma casa. Ela não tinha certeza absoluta de que o dinheiro era ilícito, mas podia supor isso. Ela deve ser condenada?
O STF terá de responder questões semelhantes no mensalão. “Qual é o nível de consciência necessário em relação ao crime anterior?”, exemplifica Feldens. No caso de Duda Mendonça, a Corte também terá que definir se alguém que recebe dinheiro no exterior por serviço prestado regularmente (no caso, a campanha do PT em 2002) lavou dinheiro ou não. O entendimento poderá afetar não apenas empresas, mas também advogados que recebem dinheiro de clientes sem verificar a procedência.
Outra definição relevante diz respeito ao crime antecedente. Como a lavagem é a ocultação ou dissimulação de valores provenientes de outros crimes, é preciso identificar quais são eles. A Lei de Lavagem (nº 9.613) traz uma lista controversa de oito antecedentes – entre eles, tráfico de drogas, terrorismo, crimes contra a administração pública, o Sistema Financeiro Nacional e praticados por organização financeira. Essa regra será alterada em breve com a edição de uma nova Lei de Lavagem, que foi aprovada pelo Congresso.
Mas, no caso do mensalão, o STF terá que se posicionar sobre os antecedentes segundo a lei atual. Uma das principais polêmicas envolve o “crime praticado por organização criminosa”. Na denúncia do mensalão, ao mencionar a lavagem, a Procuradoria-Geral da República teve que identificar os crimes antecedentes. Para diversos réus, foi descrita a participação em uma “organização criminosa”.
Acontece que, ao analisar recentemente um habeas corpus dos fundadores da Igreja Renascer em Cristo, a 1ª Turma do STF entendeu que não existe na legislação brasileira a figura da “organização criminosa”. Com isso, a ação penal perdeu sentido e foi encerrada. No caso, os líderes da igreja Estevan Hernandes Filho e Sonia Hernandes eram acusados de praticar lavagem através da entidade religiosa que arrecadava dinheiro dos fiéis. Cinco ministros da 1ª Turma participaram do julgamento e absolveram os réus.
Agora, o plenário do STF terá que se posicionar sobre o mesmo assunto no mensalão. “A acusação por lavagem no processo está amparada em um tripé de crimes antecedentes: o peculato, a gestão fraudulenta de instituição financeira e o crime praticado por organização criminosa”, diz Feldens. A defesa tentará anular parte da acusação com o mesmo argumento do caso Renascer.
Além de lavagem, o mensalão definirá precedentes sobre os crimes de corrupção e gestão fraudulenta de bancos. No caso de corrupção, é preciso demonstrar claramente que quem recebeu dinheiro deu algo em contrapartida? E para condenar bancos deve-se mostrar que eles provocaram abalos no sistema financeiro? São algumas questões que o STF vai responder no mensalão, orientando bancos e empresas.
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