9.1.12

Uma grande matéria no Fantástico de ontem

Postos fraudam bombas de combustível com controle remoto

Donos de carros populares chegam a perder seis litros de combustível cada vez que enchem o tanque. O golpe é tão sofisticado que você nem percebe que assaltaram o seu bolso.
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Reportagem especial mostra como você é roubado - sem perceber nada! - quando abastece o carro num posto de combustível. E o pior: se desconfiar de alguma coisa, não adianta reclamar. A fraude não deixa pistas. Com um controle remoto, o golpista faz a bomba voltar ao normal. O Fantástico comprovou que a fraude existe. E encontrou um dos homens que vendem e instalam nos postos o novo golpe contra o consumidor. A reportagem é de André Luiz Azevedo e Eduardo Faustini.

O motorista sempre desconfiou. O Fantástico comprova que o consumidor está certo. Existe fraude em bombas de combustível. Só que agora é um novo tipo de fraude, muito mais sofisticada. Você compra a gasolina e não leva tudo o que paga. Ainda faz papel de bobo porque nem percebe que está sendo roubado. E não adianta conferir o marcador da bomba.

Como isso acontece? O Fantástico preparou o teste com todo o rigor. Tivemos a auditoria permanente da Associação Brasileira de Combate à Fraude. E os exames foram feitos pela empresa Falcão-Bauer, a maior do Brasil no setor de controle de qualidade, e credenciada pelo Inmetro. Os técnicos criaram um equipamento especial para o nosso carro de reportagem. É um tanque de combustível de 20 litros, o volume padrão regulamentado para testes. Ele é todo transparente, para que você possa acompanhar em tempo real o roubo no posto de gasolina.

Começamos por São Paulo, que tem a maior frota de carros no país: mais de sete milhões de veículos. Postos denunciados por consumidores foram visitados pelas equipes do Fantástico. São de todas as marcas e de todas as regiões da cidade.

O carro da reportagem chega já abastecido. Na verdade, o combustível comprado cai diretamente no equipamento que está na mala do carro. Em todos os postos, pedimos 20 litros de gasolina, o volume padrão. Depois, levamos cada amostragem para o laboratório. A aferição é feita em um recipiente aprovado pelo Inmetro. Quando a quantidade está correta, o combustível completa o aferidor até a marca do zero.

A margem de erro é de 100 mililitros. A tolerância prevista na lei é de 100 mililitros abaixo ou acima dos 20 litros. Ou seja, 0,5% do total.

Um posto botou a menos 1.350 ml de gasolina. E encontramos resultados piores do que esse. A localização é boa, o preço atrai, o consumidor faz fila. Mas ele está sendo iludido. Este é o posto campeão do roubo de combustível na cidade de São Paulo. Na amostragem comprada, a bomba marcou 20 litros, mas foi roubado 1.400 ml.

O prejuízo na verdade é ainda maior, porque um teste de qualidade nesse combustível mostrou que o que foi comprado como gasolina era quase totalmente, álcool, etanol. “Foi constatado 64% de teor de etanol na gasolina. Isso é irregular. O máximo é 21%”, diz o coordenador técnico Evair Missiaggia,

O gerente não apareceu. Mas nós encontramos um motoboy que sempre abastece ali. Ele diz conhecer o golpe e como faz pra se defender.

Na mostra padrão oficial de 20 litros, 1,4 litros de diferença. Isso significa que em um carro popular, por exemplo, para abastecer um tanque de 50 litros, você é roubado em 3,5 litros.

No Rio de Janeiro, a situação é pior ainda. Em um dos postos testados pelo Fantástico a fraude chegou a 12%. Significa que para encher um tanque de 50 litros, o consumidor é roubado em 6 litros.

Os testes feitos no Rio foram idênticos aos de São Paulo. As amostras compradas em postos denunciados pelo consumidor seguiram para o laboratório. Em um posto, foram 2,41 litros a menos. Isso corresponde a 6 litros em um tanque de carro popular. Voltamos ao posto.

André Luiz Azevedo: A gente teve uma denúncia de que essa bomba está roubando do consumidor na hora do abastecimento mais de 12%. O senhor poderia fazer o teste para gente para comprovar?
Gerente: Positivo, só um momento.

É esse o golpe. Na frente do repórter, a mesma bomba que fraudava agora está correta. Voltamos também ao posto no Rio que teve o segundo pior resultado nos testes. Em cada 20 litros, o consumidor seria roubado em 2,31 litros.

André Luiz Azevedo: A gente tem uma denúncia de que essa bomba de gasolina está lesando o consumidor na hora de colocar o combustível. Ela está registrando mais do que entra no tanque do combustível. O senhor poderia fazer o teste da bomba?
Gerente: Sim.

Mais uma vez, a bomba que não tinha passado no teste de laboratório, agora funciona perfeitamente. Qual é o mistério? Como eles conseguem enganar o consumidor?

Para investigar o submundo do mercado de combustíveis no Brasil, o Fantástico precisou fingir que entrava nesse ramo de negócios. Durante dois meses, o repórter Eduardo Faustini assumiu o comando de um posto que fica em uma das principais ruas de Curitiba, no Paraná. O posto ficou fechado nesse período, não recebeu nenhum consumidor. Portanto ninguém foi prejudicado. Mas foi aqui que nós ouvimos as propostas de golpes, fraudes, todo tipo de negócio sinistro, sempre para roubar, e muito, o bolso consumidor.

Primeira descoberta: é fácil comprar combustível clandestino. Sem nota, sem fiscalização. Nosso repórter liga para o fornecedor de etanol.

Repórter: Está saindo a quanto o litro?
Fornecedor: R$ 1,67
Repórter: Isso é sem papel?
Fornecedor: Isso.
Repórter: R$1,79 com nota...
Fornecedor: Isso.
Repórter: R$1,67 sem nota?
Fornecedor: Isso aí.

R$ 1,67 é um preço muito abaixo do valor no atacado quando os impostos são pagos.

Não é só o país que perde com a sonegação. Com essas remessas clandestinas donos de postos adulteram o combustível. O truque é simples: o álcool é despejado no tanque da gasolina. Todo o etanol comprado pelo Fantástico está agora sob a guarda da Associação Brasileira de Combate à Fraude para ser encaminhado às autoridades.

Em Curitiba, nós também testamos postos suspeitos de roubar na quantidade vendida ao consumidor. E voltamos aos dois onde a diferença foi maior.

André Luiz Azevedo: Há uma denúncia de que a bomba está fraudando o volume de combustível no abastecimento do carro. Dessa vez, a bomba não é corrigida a tempo e continua a fraudar o consumidor.

André Luiz Azevedo: Marcou 20 litros, e como é que está?
Gerente: É que esse aqui não está aferido.
André Luiz Azevedo: Ele está com o selo aqui.

Os gerentes ficam nervosos, falam ao celular. Mas a situação mais comum é aquela mesma: na frente da câmera, tudo certo. As bombas que roubam o consumidor apresentam a medida correta: 20 litros.

No posto em que o teste demonstrou que é feito o maior roubo. Em uma avaliação de 20 litros, o roubo foi de 1,46 litros.

André Luiz Azevedo: Bateu 20 litros aí, a gente observa aqui que a marca está exatamente na marca certa.

Como uma bomba que roubava para de roubar de uma hora pra outra? É o que vamos revelar agora.

André Luiz Azevedo: A empresa que faz a manutenção de vocês é credenciada?
Gerente: É, com certeza.
André Luiz Azevedo: Qual é a empresa?
Gerente: SS Bombas.
André Luiz Azevedo: Quem é o responsável?
Gerente: É o Cléber.

Cléber. Em vários postos flagrados roubando o motorista, ouvimos o mesmo nome: Cléber. Ele é quem aparece mexendo na bomba de outro posto que visitamos em Curitiba.

Seguimos a pista. O repórter Eduardo Faustini, no papel de dono de uma rede de postos interessada na fraude, faz contato com Cléber. E, sem saber que estava sendo gravado, Cléber Salazar vai ao posto fechado.

Cléber: E aí, doutor?

Ele se mostra desconfiado.

Cléber: Quem indicou? Preciso saber quem... Primeira pergunta é quem passou o telefone, quem é a pessoa. Só pra saber, eu preciso saber.

Mas aos poucos relaxa.

Repórter: Eu preciso.
Cléber: De?
Repórter: Preparar essa bomba pra mim.

Cléber entrega como o esquema funciona. A fraude eletrônica é instalada separadamente, em cada saída de combustível, que ele chama de bico.

Repórter: Gastaria quanto por todas?
Cléber: É por bico, que lá a gente pega por bico.
Repórter: Faz o cálculo aí mais ou menos.

Ele faz o cálculo. Cada bico fraudado custa R$ 5 mil.

Cléber: R$ 90 mil!

R$ 90 mil para instalar uma fraude acionada por controle remoto.

Cléber: O que o controle faz?
Repórter: Vai diminuir pra mim a litragem.
Cléber: A pressão? É esse preço aí.

A placa é o circuito eletrônico que controla a bomba de combustível.

Repórter: Mas você está usando a minha placa ou a sua placa?
Cléber: Não, eu não uso a sua placa. A gente tira aquela placa e põe outra.

Daqui a pouco você vai ver como ela é adulterada.

Repórter: Você faz a manutenção disso?
Cléber: Isso. Aí nós vamos acertar um mínimo por mês. Um xis lá por mês. Para eu cuidar pra você, te avisar. Cuidado, vai lá, vem cá, entendeu?

Na despedida, Cléber já está à vontade.

Cléber: Você está em Curitiba, no Centro de Curitiba, olha o tamanho do posto. Agora você coloca o bororó para rodar. Em três meses, está pago. O resto da sua vida, você vai ganhar dinheiro.
Repórter: Qual a chance de dar errado?
Cléber: Nenhuma. Nenhuma. Zero. Pode mandar matar eu!!

Cléber afirma que tem acesso a informações sobre a fiscalização em Curitiba.

Repórter: A sua assessoria vai até aonde?
Cléber: Até no alto escalão. Que avisa a gente quando está passando, quando não tá passando. Entendeu?
Repórter: Não tem chance de dar errado. O cara tirar umas férias...
Cléber: Sempre tem de está um com o negócio.

O negócio a que ele se refere é o controle remoto, que pode ficar num bolso. Com um toque, o fraudador arma e desarma o esquema, na hora que quiser.

Cléber: O cara tem de estar plantado aqui. Se chega o tiozinho que fala ‘ah, não deu...’, vamos lá aferir. Vai dar certo.

"Tiozinho" é como o consumidor, que fica de bobo na história, é tratado por Cléber Salazar.

Cléber: Negoção da China, parabéns.

Depois dessa gravação, procuramos Cléber para uma entrevista.

André Luiz Azevedo: O senhor desconhece que os postos que o senhor atende fornecem menos combustível do que o que marca na bomba?
Cléber: Com certeza. Absurdo. Nunca vi isso aí.
André Luiz Azevedo: É porque é uma denúncia e eu estou querendo conversar com o senhor. O senhor me retorna em quanto tempo?
Cléber: Daqui a uns dez minutos eu já falo contigo aí.

O prazo não foi cumprido.

Até que Cléber finalmente marca o encontro. Ele não sabe que toda a oferta da placa fraudadora foi filmada, nem que comprovamos o golpe em postos onde ele trabalha.

André Luiz Azevedo: O senhor é credenciado no Inmetro, no Ipem? O senhor pode mexer nas bombas livremente?
Cléber: Eu tenho o certificado do Inmetro, que está aqui, válido até abril de 2012. Eu tenho autorização pra mexer nas bombas, qualquer tipo de bomba.
André Luiz Azevedo: Nós viemos a Curitiba, porque nós recebemos uma denúncia que o senhor vende uma placa que é colocada na bomba e, com essa placa, há uma fraude na hora de abastecer o carro do consumidor. O senhor não vende essa placa fraudadora?
Cléber: Absurdo isso aí, absurdo.
André Luiz Azevedo: Essa denúncia de que o senhor vende uma placa que frauda a bomba de combustível, o senhor nega isso?
Cléber: Eu nego, é um absurdo. Queria saber de vocês de onde partiu isso, porque eu quero fazer minha defesa também.
André Luiz Azevedo: O senhor fornece atendimento pra quantos postos aqui na região.
Cléber: São vários postos.
André Luiz Azevedo: Quantos?
Cléber: Em torno de uns 30, 40 postos aí.

Por que é tão difícil descobrir essa fraude?

“Porque a bomba funciona corretamente até que o proprietário do posto ou seu gerente ativa a fraude com o controle remoto. Um controle comum. Quando a fiscalização chega, ele desativa a fraude. Quando a fiscalização sai e o consumidor chega, ele novamente ativa a fraude por rádio-frequência. Ela tem um rádio-transmissor exatamente como existe no portão de garagem“, responde José Tadeu Penteado, superintendente do Ipem/SP.

A primeira placa eletrônica da fraude foi descoberta há dois anos. Em São Paulo, que tem a maior rede do país, com 8,5 mil postos, poucas foram apreendidas até agora.

Um fiscal, que prefere não ser identificado, diz que falta tecnologia à fiscalização para acompanhar a evolução dos golpes. Em vários estados que nós temos conversado, os fiscais estão totalmente despreparados. Eles não têm conhecimento suficiente pra afirmar se aquela placa está fraudada ou não. O sindicato dos postos de combustíveis de São Paulo pede providências.

O Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis também defende uma fiscalização mais enérgica: “Eu tenho certeza que situações como as que foram detectadas nessas cidades estão acontecendo e estão sendo ofertadas para o mercado em diversas outras cidades. É um alerta pras autoridades da necessidade de ter uma atuação permanente, no dia a dia, inteligente e com penalidade rigorosa”, afirma Alisio Vaz, presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustível.

A Agência Nacional de Petróleo propõe uma ação conjunta: “Nós vamos ter que aprimorar nosso sistema de fiscalização, logicamente buscando parceria com órgãos de inteligência, não só nossos, como também da polícia, do Inmetro, porque é uma fraude nova no mercado e é difícil de ser detectada”, diz Paulo Nunes, fiscal da ANP.

E o Inmetro diz que contratou especialistas em informática para achar a forma de combater a fraude: “O Inmetro já tomou conhecimento desse assunto, há algum tempo, e vem desenvolvendo tecnologia nova com nossos pesquisadores para desenvolver uma espécie de lacre eletrônico. Um mecanismo tal que quando a bomba for mexida, for alterada, for fraudada, por um mecanismo de software, um controle remoto, algo desse tipo, fique um rastro. Não adianta que o fraudador coloque a fraude e retire a fraude, o rastro vai ficar lá registrado”, declara Luiz Carlos dos Santos, diretor do Inmetro

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