19.3.10

Férias

O Bruno, colega de Dracena, redigiu um texto a respeito da questão das férias. Reproduzo aqui por considerar muito bom e isso foi dito a ele por diversos outros colegas.

Estimado cidadão,

sabemos que a morosidade do sistema judiciário incomoda. Muito. Inclusive a nós, que nos formamos em Direito e nos tornamos Juízes com o ideal de fazermos Justiça, de resolvermos problemas concretos, ou seja, de ampararmos aqueles que tiveram seus direitos desrespeitados.

Muito se tem dito e feito contra essa demora. Mas procuram centralizar as causas dos problemas no Poder Judiciário e nos Juízes. E isso não pode ser admitido, já que esse sistema é integrado por um conjunto de instituições do qual fazem parte Judiciário, Executivo, Legislativo, Administração Penitenciária, Polícias, MP, OAB, PGE, Defensoria Pública.

Nós, Juízes, não possuímos horário predeterminado de trabalho. Trabalhamos em casa, onde o serviço rende mais; nos fóruns, fazendo audiências; aos finais de semana, estudando as causas mais complexas e presidindo plantões. Estamos - porque devemos estar - presentes em todas as audiências. De uma separação a uma interdição. De um acordo em inventário a um processo criminal envolvendo diversos crimes e criminosos perigosos.

Trata-se de uma carreira séria. Que exerce fiscalização sobre a Polícia Judiciária, sobre as Penitenciárias, sobre os Estabelecimentos com menores e até sobre os Cartórios extrajudiciais (notas, protesto, registro de imóveis etc.).

Uma carreira assim PRECISA ser atrativa. PRECISA angariar os melhores alunos dos bancos universitários.

E PRECISA ser financeiramente recompensadora, para não dar azo à corrupção e a outras mazelas que vemos assombrar diversas Instituições.

Tentam, num discurso simplório, igualar todas as carreiras. Mas igualar por baixo. Agora, desejam o corte dos 60 dias de férias anuais a que fazem jus os Juízes.

Entretanto, não explicam, não esclarecem, que muitos desses períodos sequer são deferidos para serem gozados, porque faltam juízes em nosso país. Também não dizem que esse período não é invenção brasileira, mas conclusão a que muitos chegaram, em razão da carga emocional a que uma pessoa que julga, fiscaliza e administra (fóruns, juizados e cartórios) está submetida. Também omitem que, de há muito, a grande maioria tira 30 desses 60 dias para tentar pôr ordem no serviço, diminuindo a gigantesca pilha de processos, que só faz aumentar por problemas nunca atacados (ausência de uma Defensoria forte e de uma JUstiça Federal capilarizada, por exemplo).

Dir-se-á que a medida gera economia. A curto prazo, talvez. Mas na visão de Estadistas, devemos pensar na qualidade do Estado que estamos criando. Um Juiz não recebe jetom, verba de gabinete, auxilio-selo, auxilio-moradia (a grande maioria). Vive de seus rendimentos. Altos se comparados com a ainda baixa média salarial brasileira. Mas questionáveis quando confrontados com suas inúmeras responsabilidades, com os destinos de vidas, liberdades, empresas que ele decide - e que, ao decidir, deve ter em conta apenas sua consciência e o Direito Brasileiro.

A questão é simples: não podemos nos dar ao luxo de, num país tão gigantesco, com problemas tão complexos e culturas tão díspares, dispensar algumas prerrogativas que tornem a Magistratura uma carreira de pessoas Vocacionadas, Idealistas, Comprometidas com o Direito e com a Justiça. Não podemos, em nome de um nivelamento por baixo, tornar uma carreira de Estado um fardo, uma ocupação repleta de dor-de-cabeça, porque, então, teremos criado um verdadeiro chamariz para oportunistas e gatunos de toda sorte. OS bons já terão abandonado o barco, para serem condignamente valorizados.

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