15.11.16

Em defesa do auxílio moradia

TExto do colega Marcos Abreu de Magalhães, de Costa Rica, Mato Grosso do Sul

DA CONSTITUCIONALIDADE DO AUXÍLIO-MORADIA E DA RETALIAÇÃO À MAGISTRATURA

A República é frágil e necessita ser protegida dos inimigos internos tanto quanto dos externos. A versão moderna, edificada sobre fundações atenienses, do Estado Democrático de Direito foi desenhada em verdade a partir dos constitucionalistas do séc. XVIII. Montesquieu apresentou o conceito de separação dos poderes, onde diferentes funções de governo se equilibram de maneira harmônica.

O nosso modelo de democracia repele a concentração do poder do Estado em única pessoa ou órgão porque se degrada em opressão, corrupção e totalitarismo.

Além da separação formal das funções do Estado, é preciso garantir a independência de cada poder. Alexandre Hamilton no Federalista 78 explicou ser o Judiciário quem protege o cidadão dos abusos do governo. O constituinte norte-americano cunhou a máxima de ser o Judiciário o mais fraco dos poderes, pois apenas diz o direito, sem poderes para agir, e a depender do Executivo para fazer cumprir o Direito.

Na edição seguinte, O Federalista 79, Hamilton grava que o controle sobre os rendimentos equivale ao controle sobre a vontade*, devendo assim ser garantida a independência do Judiciário em face do Legislativo ou Executivo. Tal cláusula – insculpida no art. III da Constituição Norte-Americana – traduziu a garantia da irredutibilidade já tradicional no modelo anglo-saxônico.

No Brasil a garantia da irredutibilidade dos juízes foi assegurada em todas as constituições. Na Constituição de 1988 a irredutibilidade dos magistrados continuou registrada no art. 95, III, ao lado da irredutibilidade de todos os servidores públicos, no art. 37, XV, e dos empregados privados, art. 7º, VI. Os empregados privados têm reajustes na data-base, negociados por meio de convenções coletivas, greves e – principalmente – pelo mercado.

Os servidores públicos em geral têm garantida a reposição da inflação pela revisão geral anual prevista no art. 37, X, da CF.
Porém, tal garantia não tem sido observada pela Administração, que prefere negociar revisões setoriais, contemplando algumas carreiras com a reposição integral – e até ganhos reais acima da inflação – e impondo a outras o congelamento da remuneração e a efetiva redução dos meios de subsistência pela inflação.

O Judiciário recebeu a reposição da inflação em momentos específicos de alguns governos. Porém, sempre que cumpre seu papel constitucional de defesa do cidadão contra abusos do governo, encontra retaliações, normalmente voltadas à redução da segurança dos juízes, redução da remuneração ou estreitamento da estrutura de trabalho.

Tivemos a EC 45/2004 da reforma do Judiciário, que criou o controle externo e reduziu o alcance da jurisdição do primeiro grau. À época ACM, afastado em 2001 por envolvimento em diversos escândalos, voltou em 2003 ao Senado com sede de revanche e prometendo abrir a caixa preta do Judiciário.

Agora, o mesmo roteiro se repete, envoltos em escândalos de grandes proporções, experientes políticos e empresários dependentes de verbas públicas atuam de modo coordenado para, mais uma vez, enfraquecer o Judiciário.

O subsídio do ministro do STF precisaria de 43% de reajuste para recuperar as perdas inflacionárias da última década. Não contentes com a brutal redução da remuneração, buscam a retirada de benefícios históricos já incorporados aos juízes.

A União possui mais de 70 mil imóveis funcionais. Diversas carreiras, como diplomatas, militares, consultores e até professores federais contam com moradia oficial. Membros de Poder não só contam com imóveis à disposição, como, no momento, o Congresso Nacional patrocina extensa reforma nos apartamentos dos parlamentares. O Palácio da Alvorada acabou de receber ampla reforma e o Palácio do Jaburu deverá ganhar revitalização em 2017.

A Lei Orgânica da Magistratura assegura residência oficial na Comarca desde 1979. Benefício de natureza indenizatória com expressa previsão na Constituição Federal. Vejamos.

No art. 39, §4º, vemos que "O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Se
cretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI"


Vale dizer, o subsídio abarca todas as verbas remuneratórias, porque a Constituição afirma serem vedadas outras parcelas de espécie remuneratória. O subsídio é uma parcela do total das verbas percebidas pelo magistrado. É a única parcela remuneratória.

Mas o todo é formado de várias parcelas. Ao lado da parcela remuneratória, há outras parcelas indenizatórias, com efeito na Constituição também vemos o seguinte:

Art. 37 §11 - "Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei."
Ou seja, existem parcelas de caráter indenizatório devidas aos servidores públicos. Está ali claramente estatuído no art. 37, §11, da CF.

Mas teria sido a residência oficial do juiz, ou correspondente indenização do auxílio-moradia, previstas no art. 65, II, da LOMAN, recepcionada pela Carta Constitucional? A resposta só pode ser afirmativa. A EC 47/2005 previu no art. 37, §11, da CF o pagamento de parcelas indenizatórias, em complemento à parcela remuneratória do subsídio.

Além disso, a EC 47/2005 contemplou artigo específico – art. 4º – apenas para assegurar terem sido recepcionadas as leis que já existissem antes da EC 41/2003. Exatamente o caso da LOMAN de 1979.

Como se vê esse Auxílio-Moradia tão criticado nos jornais ultimamente, é pagamento previsto há décadas, acolhido em pelo menos três dispositivos constitucionais.
Ademais, a residência oficial é benefício oferecido a diversas carreiras, a maioria do Poder Executivo, porém também estendido aos Parlamentares Federais. Porém, no momento, busca-se retaliação apenas contra o auxílio-moradia dos promotores e juízes.

A quem interessa o desmonte do Judiciário? O forte não precisa do Estado para impor sua vontade e tomar o que lhe interessa. É o fraco que se socorre das leis e precisa de segurança para desenvolver seu trabalho e garantir seu espaço na sociedade.


*“In the general course of human nature, a power over a man's subsistence amounts to a power over his will. And we can never hope to see realized in practice, the complete separation of the judicial from the legislative power, in any system which leaves the former dependent for pecuniary resources on the occasional grants of the latter.” HAMILTON, Alexander. The Judiciary Continued. The Federalist 79 - Wednesday, June 18, 1788.

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