15.6.12

Uma injustiça foi reparada


STF cassa aposentadoria de juíza do Pará

* Magistrada havia sido punida sob acusação de manter garota em cela masculina

* Relator viu condutas excessivas dos agentes estatais, a começar pela polícia

* CNJ agora deverá decidir sobre suposta falsificação de documento pela juíza

O Supremo Tribunal Federal (STF) cassou decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que determinou a aposentadoria compulsória da juíza Clarice Maria de Andrade, que atuava na comarca de Abaetetuba (PA). Ela foi condenada pelo Conselho porque teria determinado a prisão de uma garota menor de idade em uma cela masculina durante 24 dias, e falsificado documento para afastar sua responsabilidade no caso.
Presa por furto em 2007, a menina foi vítima de estupro e violência enquanto ficou mantida, por vários dias, na cela com 20 homens por vários dias.
O CNJ entendeu que a magistrada não tomou nenhuma providência ao saber da situação da menina e que teria falsificado um documento com data retroativa, ao constatar a repercussão que o caso teve na mídia.
A decisão do STF gerou manifestações de apoio de vários magistrados em listas de discussão na internet, aplaudindo a atuação da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) em defesa da juíza. Em agosto de 2010, ela escreveu texto –reproduzido neste Blog e transcrito no post seguinte– em que se dizia “profundamente injustiçada” e criticava o julgamento no CNJ. Ela registrou que, na mesma época, mais quatro casos de mulheres presas junto com homens foram encontrados no Pará em outras Comarcas. “Somente a juíza Clarice Andrade foi penalizada, os demais magistrados, promotores, defensores, delegados e carcereiros nada sofreram”, afirmou, na ocasião.
Segundo informa a assessoria de imprensa do STF, no julgamento do Mandado de Segurança (MS) 28816, os ministros entenderam que não há evidências de que a juíza tinha ciência da circunstância em que foi cumprida a ordem de encarceramento, que tenha sido informada a respeito ao longo do período em que a menor ficou presa ou que tenha agido intencionalmente ao determinar a prisão em uma cela masculina.
O Tribunal cassou a decisão do CNJ, e determinou que o órgão julgue novamente o caso levando em conta apenas a acusação de falsificação. Segundo os autos, a juíza teria alterado uma certidão expedida pelo diretor de Secretaria da 3ª Vara da Comarca de Abaetetuba, atestando a transmissão de fac-simile, em 8 de novembro de 2007, para a Corregedoria do Interior, autorizando a transferência da presa da delegacia para a capital do estado. O ofício só teria sido encaminhado no dia 20 de novembro de 2007, com data retroativa ao dia 7 de novembro.
Segundo o voto do relator do caso, o ministro Joaquim Barbosa, por maior que seja a experiência e a capacidade técnica de um profissional, elas são insuficientes para afastar totalmente a possibilidade de erro. Sustentou que, ao entender que havia na carceragem local a possibilidade de segregação de detentos por sexo, a juíza pode ter incorrido em erro de avaliação que não pode ser atribuído simplesmente a negligência ou imperícia.
A violação dos direitos da menor, argumentou o ministro, decorreu de condutas excessivas de todos os agentes estatais envolvidos, a começar pela polícia. A circunstância de os policiais terem dever e possibilidade real de impedir os abusos ocorridos na carceragem é por sua vez insuficiente para afastar a responsabilidade das demais autoridades estatais envolvidas. Com a falha dos policiais, os papéis do Ministério Público, do conselho tutelar e do próprio juiz ganhariam relevância extraordinária.
O ministro relator também entendeu que o CNJ, ao condenar a magistrada, fez juízo de valor sobre ato jurisdicional. Ao lavrar o ato de prisão, o juiz pode fazer considerações sobre as condições de encarceramento – o que não é um ato administrativo, mas judicial, que poderia ser revisto por outra autoridade judiciária.
O ponto que deve ser avaliado pelo CNJ, concluiu o voto do ministro Joaquim Barbosa, é saber se a suposta falsificação de documento, se comprovada, é compatível com a magistratura, e se a impetrante quis furtar-se à responsabilidade pela fraude.
Por maioria, acompanhando voto do ministro Marco Aurélio, o Tribunal determinou também que ao julgar novamente o caso, abordando apenas a acusação de falsificação de documento, o CNJ não determine novamente a pena de aposentadoria – determinando a suspensão, advertência ou outra punição prevista. Nesse ponto, ficaram vencidos o ministro Joaquim Barbosa e a ministra Cármen Lúcia, que não se pronunciaram sobre o conteúdo de uma eventual segunda condenação, e vencido  também o ministro Dias Toffoli, que deferiu totalmente o pedido para cassar a decisão do CNJ em relação aos dois fundamentos – a negligência e a falsificação.
Os ministros também concluíram o julgamento do Mandado de Segurança (MS) 28102, impetrado pela juíza para contestar a abertura do processo administrativo disciplinar no CNJ que resultou na condenação.
Em decisão unânime, o Tribunal denegou a segurança, se posicionando pela legalidade do ato do Conselho. “Entendo que a decisão do CNJ está fundamentada, ainda que com ela não concorde a impetrante” afirmou o relator, ministro Joaquim Barbosa, no início do julgamento, em junho de 2011.
Em seu voto-vista, o ministro Luiz Fux se pronunciou a respeito da preliminar apresentada pela defesa da juíza, segundo a qual a sessão do CNJ que resultou na abertura do processo contra a magistrada violou a Constituição porque foi presidida por ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o corregedor do Conselho à época, o que iria de encontro à Constituição Federal.
O ministro Luiz Fux entendeu que não há ilegalidade, uma vez que o STF já teria entendido que não há nulidade na decisão proferida pelo CNJ. A decisão teria sido proferida anteriormente à edição da Emenda Constitucional 61/2009, que começou a surtir efeitos em 12 de novembro de 2009. A emenda determinou que a presidência do CNJ só pode ser ocupada pelo presidente ou pelo vice-presidente do STF.

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