Não faz sentido ter metas empresariais na Justiça
Com o pomposo título “Audiência Pública se transforma em lição de democracia”, o site da Associação dos Magistrados Brasileiros publicou notícia sobre uma das últimas audiências públicas do Conselho Nacional de Justiça.
Ora, permitir que a população apresente suas queixas e denúncias, de fato, é algo muito positivo. Contudo, sem resolver os problemas estruturais do próprio Poder Judiciário, inclusive com relação à falta de democracia interna, as audiências podem se transformar em teatro de péssimo gosto. Sendo assim, a “lição de democracia” passa a ser meramente formal, ou seja, “técnica organizativa de procedimentos neutros e avalorativos absolutamente descomprometidos com qualquer funcionalidade coletivista”, na expressão de Julio Cesar Marcellino Junior (Princípio Constitucional da eficiência administrativa: (des) encontros entre economia e direito. Florianópolis: Habitus, 2009, p. 198). Visite seu blog... Aliás, parafraseando Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, “Ninguém! – Ninguém! — escreveu melhor sobre o Princípio da Eficiência, na interdisciplinaridade entre Direito e Economia, do que Julio Cesar Marcellino Junior....”
Voltando ao assunto das audiências públicas do CNJ, penso que a crítica pública a magistrados pela população, que tem razão em muitos casos, faz lembrar as recomendações do Banco Mundial, no Documento Técnico 319, que apresentou os elementos para a reforma do Poder Judiciário na América Latina e Caribe, com relação ao sistema disciplinar que deve ser imposto aos magistrados:
Em qualquer sistema, juízes, advogados e o público em geral devem ter o direito de apresentar reclamações contra os magistrados. [...] Alguns autores tem defendido que medidas adicionais, visando a transparência e confiabilidade, devem incluir oportunidades para que a população e os conselhos profissionais de advogados enviem comentários sobre as condutas dos magistrados. (O site da Anamatra disponibiliza o Documento Técnico 319, do Banco Mundial, na íntegra)
Pelo visto, o CNJ está cumprindo direitinho a lição de casa. O que não faz sentido, contudo, é estabelecer metas em busca de uma “eficiência empresarial” sem as condições de cumprimento. Da mesma forma, penso que não faz muito sentido fazer proselitismo democrático se aos juízes não é dado sequer o direito de participar da escolha das cúpulas dos tribunais ou participar de sua gestão administrativa.
Por fim, penso que está faltando “substancialidade” à democracia defendida pelo CNJ ou preocupação com o cumprimento das garantias e promessas da Constituição de 1988. Acontece, no entanto, que não é este o objetivo da reforma proposta pelo Banco Mundial, ao contrário:
A reforma do judiciário faz parte de um processo de redefinição do estado e suas relações com a sociedade, sendo que o desenvolvimento econômico não pode continuar sem um efetivo reforço, definição e interpretação dos direitos e garantias sobre a propriedade. Mais especificamente, a reforma do judiciário tem como alvo o aumento da eficiência e equidade em solver disputas, aprimorando o acesso a justiça que atualmente não tem promovido o desenvolvimento do setor privado. [...] A economia de mercado demanda um sistema jurídico eficaz para governos e setor privado visando solver os conflitos e organizar as relações sociais.
E assim, seguimos entre súmulas do STJ, súmulas vinculantes do STF, repercussão geral, recursos repetitivos, audiências públicas do CNJ e outras iguarias tupiniquins na formatação de um Poder Judiciário que promova o desenvolvimento econômico e proteja a economia de mercado.
Por tudo isso, a resistência constitucional se torna cada vez mais necessária.
Jamais perder o foco, portanto, que a República tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. E tem como objetivos: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (arts. 1º e 3º, da CF).
Por fim, entre o CNJ, Banco Mundial e a CF, prefiro a última!