14.10.11

Um artigo excelente!!!

Eu tirei do Judex, quo vadis. O artigo é do Gustavo, que era substituto em Cotia lá pelos idos de 2004. Concordo com muita coisa (negritos nos trechos mais importantes)



FEBEAPA DA MAGISTRATURA

Este texto é direcionado a colegas de magistratura, promotores, procuradores, advogados, jornalistas e, essencialmente, os leigos que estão sendo bombardeados com uma série de matérias, editoriais, artigos e colunas que se julgam na obrigação de falar sobre o Poder Judiciário, a título de crítica supostamente construtiva. Procurarei redigi-lo com uma linguagem que todos possam compreender, iniciando com uma expressão bem popular: já deu, né?

Não vou me valer de introduções clássicas do tipo "reconheço que o Judiciário tem problemas" porque isso é óbvio. Talvez meia dúzia de juízes realmente pense que está tudo bem na carreira e que não há do que reclamar. A maioria estrondosa sabe que não está tudo bem. Em diversos lugares, inclusive no estado de São Paulo, não está nada bem. Mas isso não é justificativa para que, de repente, todo mundo resolva liberar seus achismos sobre a Justiça ou dar lições de humildade, como se fossem eles os humildes. Pessoas como os jornalistas que se acharam juridicamente aptos a decretar que os magistrados estão aplicando errado a nova Lei de Tóxicos, porque o número de prisões aumentou. Quantos casos concretos estes craques da lei apreciaram para dar este veredito? Nenhum. Pegaram as estatísticas e pronto. Quando muito, ouviram alguns advogados de defesa. É o que chamam de imparcialidade.

Os juízes estão num jogo que não podem vencer, porque as regras são feitas e executadas por quem comanda o apedrejamento. Se alguém diz que a magistratura tem bandidos de toga, é corajoso. Quem se revolta é corporativista. Jornalista criticando é independente. Associação de magistrados defendendo é como a mãe que protege o rebento. Quando o objetivo é sufocar em vez de argumentar, até o Sargento Garcia vira herói e o Zorro se torna um vilão a ser preso (imagino que o próximo passo seja torcer para o Xerife de Nottingham enforcar Robin Hood). Mas o arsenal não acaba por aí. Agora vemos até uma psicóloga dizer que juízes se sentem poderosos quando sentenciam. Nunca pensei nisso. Na próxima sentença que der, procurarei usar estes poderes. Vou sair voando, soltar raios cósmicos ou simplesmente pular da janela - quem sabe sou o Wolverine e nem estou sabendo.

A maior falha desta psicóloga, não sei se acidental, é considerar que só juízes querem julgar os outros. Todos fazem isso, incluindo promotores, advogados e partes. Cada um vê as coisas de sua forma e analisa os demais conforme seus pensamentos e vivências. Só o juiz tem a responsabilidade que acompanha o poder - talvez a doutora devesse assistir ao filme do Homem-Aranha para entender isso. Ao contrário dos outros, não pode condenar ou absolver com base na reportagem do JN, do debate no Superpop (antes ou depois do desfile de lingeries) ou porque a opinião pública quer. Juiz tem que aplicar a Constituição e a Lei, porque elas foram feitas para proteger a sociedade de tudo, incluindo ela mesma em seus piores momentos. Humildade serve para todos.

Fazer Justiça não é linchar, nem ter pena. É assumir o risco de ser impopular em nome do Direito. Um presidente da República pode recuar para não perder uma eleição. Um congressista pode faltar à votação para que não digam que aprovou um remédio amargo, ainda que necessário. Pode o juiz começar a agir da mesma forma? Pois é o que querem os que estão falando em eleição para magistrado. Preferem quem faz política a quem estuda para ser aprovado em concurso público. Aliás, se alguém tem sido mais patrulhado que juiz, é quem valoriza o estudo. Esse vira "preconceituoso" só porque acha importante saber escrever e entender o que está escrito. Bom mesmo é dizer que, porque a Terra gira, a poluição da China vem parar no Brasil. Entenderam? Pagar duzentos mil por uma palestra de quem proferiu esta genialidade é normal. Pagar vinte mil de salário para um concursado é loucura. É isso que pretendem que você pense. Ou melhor: não pense.

Por respeito ao tempo dos leitores, encerrarei por aqui. Não sem antes dizer que também me revolto com situações que têm envergonhado não apenas a mim, mas aos tantos e tantos magistrados que ainda acordam pensando que o justo deve prevalecer. Um país respeitável precisa de um Poder Judiciário muito melhor que o de agora. Mas se vocês acreditam que é este o objetivo de tudo o que têm lido e ouvido, estão dando o primeiro passo para que nada disso aconteça. Justiça melhor se faz com respeito e diálogo. Não com recalque e oportunismo.

Gustavo S R Fernandes

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