A necessidade dos novos TRFs e o estudo do CNJ
Quando alguém se propõe a estudar determinado tema, deve levar em consideração as principais circunstâncias relacionadas à matéria. Para um médico analisar o estado de saúde do paciente, ele deve obrigatoriamente avaliar sua condição cardíaca, taxas do sangue e pressão arterial. Para se analisar os índices de inflação é indispensável observar a elevação dos preços do combustível, transporte, habitação e cesta básica.
Para alguém indicar sobre a conveniência ou não da criação de novos tribunais regionais federais, seria indispensável que apontasse o número de processos anualmente distribuídos, a taxa de congestionamento do tribunal, a quantidade de feitos aguardando julgamento, a carga de trabalho dos desembargadores, a comparação com outros segmentos do Poder Judiciário, a facilidade de acesso do cidadão, o percentual em custos.
No entanto, o estudo do Departamento de Pesquisa Judiciais do CNJ, divulgado em 25 de abril de 2013, não apreciou quaisquer desses dados ou só o fez muito parcialmente. O texto divulgado pelo DPJ analisou poucos elementos quanto ao tema — e os menos importantes para a análise do caso — acarretando uma visão absurdamente restritiva e desamparada de qualquer arcabouço científico.
E todos os significativos e necessários dados técnicos quanto ao tema, como veremos a seguir, mais que justificam a aprovação dos referidos TRFs.
Em número de processos novos por magistrado, anualmente, nos TRFs são distribuídos 3.919 casos por desembargador. Nos TRTs são 1.234 e, nos Tribunais de Justiça, 1.127, o que já é uma média muito acima daquela razoavelmente aceita para países desenvolvidos. No Canadá, por exemplo, um desembargador julga entre 150 e 350 processos por ano, número similar ao verificado em outros países europeus. Portanto, ao contrário do texto referido, a demanda é o maior fator de justificação dos novos TRFs, eis que ela é mais de três vezes superior aos demais segmentos do Judiciário e dez vez mais que aqueles praticados em países desenvolvidos.
A taxa de congestionamento (que demonstra a capacidade dos tribunais julgarem todos os processos que anualmente entram em seus estoques) indica que nos TRFs atuais esse percentual é de 66,6%, enquanto nos TJs é de 49% e nos TRTs é de 24,4%. Ou seja, de cada 100 processos existentes e acumulados nos TRFs, anualmente apenas 34 deles são julgados, em razão da grave carência de estrutura atualmente existente. Lembramos que apenas cinco TRFs, com um total de 134 desembargadores, recebem 525.165 novos processos a cada ano (2011). Não por acaso, a quantidade de processos pendentes de julgamento nos TRFs em 2006 era de 734.769 e em 2011 esse número saltou para mais de um milhão (1.033.772).
A carga de trabalho nos TRFs também é a maior do país, uma vez que está pendente de julgamento um volume de 13.605 processos, em média, para cada desembargador federal. Nos Tribunais de Justiça dos Estados aguardam o julgamento 2.410 processos para cada desembargador e nos TRTs cada julgador, em média, possui 2.036 processos aguardando decisão. Esse dado demonstra que nos TRFs existem seis vezes mais processos aguardando julgamento que nos demais ramos do Poder Judiciário. Para piorar ainda mais a situação, o próprio estudo do DPJ indica que o número de recursos processuais aos TRFs cresceu 12% nos últimos quatro anos, até porque tais tribunais recebem processos oriundos não só da Justiça Federal de primeira instância como também das Varas da Justiça Estadual.
Não raro um recurso de apelação para um TRF pode aguardar cerca de três, quatro, cinco anos para ser julgado. O cidadão merece, obviamente, uma melhor qualidade e celeridade no tratamento de seus litígios por parte do Estado. E a aprovação e instalação dos TRFs aprovados pela PEC 544-C podem contribuir de modo significativo para a melhoria nesse atendimento que, ademais, beneficiará a própria União Federal, uma vez que a Justiça Federal recolhe aos cofres públicos mais de R$ 12 bilhões por ano, ao passo que ela toda (cinco tribunais federais, 600 varas, 1,2 mil juízes e 36 mil servidores) custa ao erário cerca de R$ 7 bilhões. Quatro novos tribunais, portanto, reduzirá significativamente o tempo de duração do processo judicial e favorecerá diretamente a própria União, beneficiária primeira da atuação da Justiça Federal.
Os quatro novos tribunais não representarão gastos percentuais significativos dentro do orçamento total da Justiça Federal, até porque nas cidades sede de sua instalação os atuais tribunais já dispõem de certa estrutura administrativa. Além do mais, sua atuação certamente abreviará o recebimento de significativos valores por parte do Governo Federal, que pode superar em muito os custos com a instalação das novas unidades. O custo, assim, não será nada significativo se comparado com os benefícios decorrentes da medida aprovada.
Deste modo, por todos os ângulos que se olhe o problema, a instalação dos TRFs é uma necessidade que salta aos olhos com grande nitidez, como bem reconheceu o Congresso Nacional ao aprovar a PEC 544-C. Outros dados também iriam nessa mesma direção, como a desproporcionalidade de desembargadores federais em face dos juízes federais, o quantitativo de processo nos TRFs por habitante, etc. Até mesmo por conta desse quadro, convém lembrar que o próprio CNJ já debateu tal tema e aprovou a necessidade de expedição de uma nota técnica favorável à aceleração da aprovação da respectiva PEC, em sua 98ª sessão ordinária.
Assim, não podemos reconhecer como tecnicamente adequado um estudo de um departamento interno do CNJ que não apresenta os índices que acima apreciamos e que, na nossa visão, são imprescindíveis para uma abordagem científica do problema. Ademais, aquele texto, convém lembrar, não foi submetido a qualquer discussão pelos conselheiros e não representa o pensamento do órgão que, como referimos, possui posicionamento em sentido oposto, ou seja, favorável à criação dos TRFs.
Mesmo alguns dos dados apresentados no documento podem ser facilmente contestados por aqueles que conhecem ao menos um pouco da realidade do Poder Judiciário brasileiro, o que compromete a compreensão daquele texto como um estudo apurado do tema.
A grande distância entre o cidadão e os tribunais federais é um dos fatores que prejudica, efetivamente, o acesso dos advogados e partes ao Poder Judiciário, ao menos do modo que imaginamos ser necessário para a facilidade de sua atuação. O TRF da 1ª Região, por exemplo, com sede em Brasília, julga os processos do Amazonas a Minas Gerais, passando por 13 estados.
É claro que o Processo Judicial Eletrônico pode facilitar essa distância, mas ele jamais substituirá a necessidade dos advogados conversarem com os juízes, apresentar memoriais, despachar petições, realizar sustentação oral presencial (que muito difere em resultado e efetividade daquela realizada por videoconferência). Ademais, todos nós sabemos que o pleno acesso à internet ainda não é uma realidade nos estados da região Norte do país ou mesmo no interior de alguns dos estados mais ricos.
Mesmo em tribunais onde já está em pleno funcionamento o PJe, ele não substitui a necessidade desse contato pessoal com os julgadores. O Judiciário deve, sempre, buscar a aproximação com o cidadão e os advogados, de modo a garantir e facilitar o acesso pleno aos seus serviços, não o contrário. Se já constitui um grande custo um advogado sair do Paraná para ir ao TRF-4, em Porto Alegre, tal despesa se mostra incrivelmente maior quando se observa uma viagem do estado do Amazonas em direção à Brasília. Não se pode desprezar, ainda, que um juiz distante dos episódios e desconectado da realidade local pode ter prejudicada a sua compreensão dos fatos, comprometendo a melhor aplicação da Justiça ao caso que ele irá julgar.
Não por acaso, cremos nós, a Ordem dos Advogados do Brasil também apoiou a criação dos novos TRFs.
O texto interno do CNJ faz conjecturas sobre a possibilidade de destinar o julgamento dos recursos decorrentes dos processos com competência delegada (julgados pela Justiça Estadual de primeira instância) aos Tribunais de Justiça dos estados. Em primeiro lugar, a questão somente poderia ser objeto de aprovação mediante emenda constitucional, o que é de todo incerto na atualidade. Em segundo, caso destinados tais processos aos Tribunais de Justiça dos Estados, seria afetada a especialização que o ordenamento justamente destina à Justiça Federal, comprometendo esse princípio e o próprio caráter de unidade na abordagem dos respectivos temas. Em terceiro, seria cobrir um santo e descobrir o outro, pois como vimos os Tribunais de Justiça já possuem uma taxa de congestionamento em torno de 49% e tal medida só faria prejudicar ainda mais tal problema. Por fim, caso seja retirado dos TRFs 15% dos processos que lhe são distribuídos todos os anos, segundo o estudo, isso não geraria significativa melhora, pois em vez dos 3.919 cada desembargador federal continuaria recebendo 3.331 processos/ano, volume impossível de ser vencido pela estrutura atual e que ainda assim justificaria a necessidade de instalação dos TRFs mencionados.
Para que a Justiça Federal de 2º grau atingisse o mesmo nível dos demais segmentos do Poder Judiciário, seria necessário reduzir em 70% o volume de processos anualmente submetidos a grau recursal. Para isso, não há, no estudo, qualquer sugestão mágica.
O texto refere, ainda, que os novos TRFs teriam uma distribuição processual desproporcional, tendo alguns mais processos que outros. Ora, tal fato é circunstância corrente em todo o Poder Judiciário, uma vez que alguns tribunais recebem mais processos que outros, seja na Justiça Estadual seja na Trabalhista ou mesmo na atual estrutura federal. De todo modo, a minoração da distorção deve ser feita pelo número de desembargadores em cada um dos tribunais, de modo que os que recebem mais processos tenham mais desembargadores que os demais, circunstância atualmente adotada para amenizar o problema como ocorre, por exemplo, na Justiça do Trabalho. Assim, se o TRF da 9ª Região terá menor movimento processual que os demais, basta manter-se ali um menor número de desembargadores em comparação aos demais.
De todos os dados técnicos e estatísticos analisados, constantes do programa Justiça em Números do CNJ — edição 2012, se pode constatar, em nossa opinião, que os novos TRFs aprovados pela PEC 544-C são necessários e indispensáveis para se garantir um mínimo de atendimento eficaz aos jurisdicionados, além de permitir um razoável e mais efetivo acesso das partes e advogados ao segundo grau de jurisdição na Justiça Federal.
José Lucio Munhoz é conselheiro do CNJ, juiz do Trabalho, mestre em Direito e ex-presidente da Amatra-SP (Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho).
Revista Consultor Jurídico, 8 de maio de 2013
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