Competência concorrente e exposição espetaculosa
Sob o título "A Magistratura entre a razão e a paixâo", o artigo a seguir é de autoria do juiz Gervásio Santos, ex-presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão. Foi publicado originalmente em seu blog "Ideias e Opiniões".
O ano de 2012 se iniciou com um interesse incomum da mídia sobre o Poder Judiciário, e, em muitas das vezes, extraindo conclusões disparatadas, demonstrando desconhecimento sobre o universo tratado.
Um exemplo claro: as decisões liminares dos Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandoski, proferidas no último dia antes do recesso do STF, em ações propostas pela AMB, colocaram a Magistratura, as Associações de classe, a Corregedora Nacional e o CNJ no centro do debate da vida nacional. Muito se leu e ouviu na imprensa sobre este assunto. É chegado o momento de firmar posições claras.
Sem adentrar no mérito da questão sob o prisma constitucional - afinal a função de fazê-lo é do STF – defendo que a competência do Conselho Nacional de Justiça, para o bem do Poder Judiciário, dos seus Membros e da sua imagem perante a opinião pública, deve ser concorrente e não subsidiária.
Ao fazer esta afirmação – em processo de autocrítica a escritos anteriores – não estou advogando a tese de que o CNJ deva chamar para si a responsabilidade de apurar todas as denúncias contra magistrados, ou suprima o papel das Corregedorias. Reconheço, porém, que a competência concorrente é positiva para a saúde institucional dos próprios Tribunais.
Positiva, sim, porque o papel primário do CNJ é, ao lado de firmar diretrizes estratégicas para o Judiciário, exigir que os Tribunais e Corregedorias locais cumpram as suas designações constitucionais, entre as quais se encontram o de investigar as eventuais falhas funcionais de magistrados.
Desconheço, pelo menos na história recente do Judiciário, que algum Presidente de Tribunal, Corregedor, ou mesmo Desembargador tenha sofrido punição imposta por seus pares em razão de falhas funcionais (óbvio, é difícil punir quem senta ao seu lado na bancada). É fato, portanto, que tal somente começou a ocorrer após a instituição do CNJ.
Os Tribunais e Corregedorias, em alguns estados mais do que em outros, somente funcionam disciplinarmente para os Juízes de 1º Grau. Estes sim, quando incorrem em falhas funcionais, são normalmente processados, julgados e, se considerados culpados, punidos.
Este aspecto, por si só, já é mais do que suficiente para demonstrar a importância da competência concorrente do CNJ e, justamente por essa razão, é que a opinião pública se colocou na trincheira de defesa do Conselho e da própria Corregedora, que veio a público defender abertamente essa tese, com o seu conhecido estilo “deixa que eu chuto”.
Portanto, o CNJ incomoda, e muito, os membros dos Tribunais no aspecto disciplinar. Ao passo que os juízes se sentem mais incomodados com a falta de sensibilidade daquele órgão em não reconhecer as diferenças regionais e a falta de estrutura do 1º Grau para cumprir as exigências administrativas (o excesso de relatórios é só um exemplo).
A atuação política da AMB, para defender prioritariamente os membros dos Tribunais, acabou atraindo os holofotes e as críticas da opinião pública - e aqui o paradoxo - contra todos os membros da Magistratura, inclusive em relação àqueles que não terão nenhum benefício, ou quase nenhum, caso seja vencedora a tese da subsidiariedade.
Esses magistrados, que correspondem a mais de 90% dos integrantes do Judiciário, são obrigados a lidar com pilhas de processos, na maioria das vezes, sem condições estruturais adequadas e nem assessores; não dispõem de carro oficial ou qualquer outra regalia; são privados da escolha dos dirigentes dos Tribunais, pois não têm direito a voto; usam parte dos finais de semana e feriados para por em dia o serviço; e estão em comarcas nos rincões deste Brasil que os críticos sequer fazem ideia onde ficam.
São os mesmos que não recebem pelas horas extras ou plantões, que não recebem por cargos de direção, que são cobrados diuturnamente pelas partes e advogados, que estão com os seus subsídios congelados há mais de quatro anos e que, apesar de terem 60 dias de férias como forma de compensação pela ausência de direitos que são reconhecidos a qualquer trabalhador ou funcionário público neste país, não conseguem nem mesmo gozá-las, em razão do excesso de trabalho.
Assim, se não concordo com a tese da subsidiariedade do CNJ defendida pela AMB em prol dos membros dos Tribunais, ou com a forma espetaculosa com que a Corregedora se manifesta publicamente, concordo menos ainda com o tratamento dispensado, nestes últimos tempos, por boa parte da mídia aos magistrados brasileiros.
Não há democracia sem que haja um Judiciário fortalecido e independente, de sorte que não interessa ao País a fragilização da Magistratura brasileira. Denunciar os equívocos e exigir transparência é obrigação da imprensa em uma sociedade democrática, mas ressaltar os aspectos positivos do Judiciário e fazer as distinções necessárias é um dever para com a democracia.
A decisão final do Supremo Tribunal Federal sobre a natureza da competência do CNJ ainda será alvo de debates. Torço para que sejam travados na perspectiva da razão e não da paixão, em respeito à própria Democracia brasileira.
O ano de 2012 se iniciou com um interesse incomum da mídia sobre o Poder Judiciário, e, em muitas das vezes, extraindo conclusões disparatadas, demonstrando desconhecimento sobre o universo tratado.
Um exemplo claro: as decisões liminares dos Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandoski, proferidas no último dia antes do recesso do STF, em ações propostas pela AMB, colocaram a Magistratura, as Associações de classe, a Corregedora Nacional e o CNJ no centro do debate da vida nacional. Muito se leu e ouviu na imprensa sobre este assunto. É chegado o momento de firmar posições claras.
Sem adentrar no mérito da questão sob o prisma constitucional - afinal a função de fazê-lo é do STF – defendo que a competência do Conselho Nacional de Justiça, para o bem do Poder Judiciário, dos seus Membros e da sua imagem perante a opinião pública, deve ser concorrente e não subsidiária.
Ao fazer esta afirmação – em processo de autocrítica a escritos anteriores – não estou advogando a tese de que o CNJ deva chamar para si a responsabilidade de apurar todas as denúncias contra magistrados, ou suprima o papel das Corregedorias. Reconheço, porém, que a competência concorrente é positiva para a saúde institucional dos próprios Tribunais.
Positiva, sim, porque o papel primário do CNJ é, ao lado de firmar diretrizes estratégicas para o Judiciário, exigir que os Tribunais e Corregedorias locais cumpram as suas designações constitucionais, entre as quais se encontram o de investigar as eventuais falhas funcionais de magistrados.
Desconheço, pelo menos na história recente do Judiciário, que algum Presidente de Tribunal, Corregedor, ou mesmo Desembargador tenha sofrido punição imposta por seus pares em razão de falhas funcionais (óbvio, é difícil punir quem senta ao seu lado na bancada). É fato, portanto, que tal somente começou a ocorrer após a instituição do CNJ.
Os Tribunais e Corregedorias, em alguns estados mais do que em outros, somente funcionam disciplinarmente para os Juízes de 1º Grau. Estes sim, quando incorrem em falhas funcionais, são normalmente processados, julgados e, se considerados culpados, punidos.
Este aspecto, por si só, já é mais do que suficiente para demonstrar a importância da competência concorrente do CNJ e, justamente por essa razão, é que a opinião pública se colocou na trincheira de defesa do Conselho e da própria Corregedora, que veio a público defender abertamente essa tese, com o seu conhecido estilo “deixa que eu chuto”.
Portanto, o CNJ incomoda, e muito, os membros dos Tribunais no aspecto disciplinar. Ao passo que os juízes se sentem mais incomodados com a falta de sensibilidade daquele órgão em não reconhecer as diferenças regionais e a falta de estrutura do 1º Grau para cumprir as exigências administrativas (o excesso de relatórios é só um exemplo).
A atuação política da AMB, para defender prioritariamente os membros dos Tribunais, acabou atraindo os holofotes e as críticas da opinião pública - e aqui o paradoxo - contra todos os membros da Magistratura, inclusive em relação àqueles que não terão nenhum benefício, ou quase nenhum, caso seja vencedora a tese da subsidiariedade.
Esses magistrados, que correspondem a mais de 90% dos integrantes do Judiciário, são obrigados a lidar com pilhas de processos, na maioria das vezes, sem condições estruturais adequadas e nem assessores; não dispõem de carro oficial ou qualquer outra regalia; são privados da escolha dos dirigentes dos Tribunais, pois não têm direito a voto; usam parte dos finais de semana e feriados para por em dia o serviço; e estão em comarcas nos rincões deste Brasil que os críticos sequer fazem ideia onde ficam.
São os mesmos que não recebem pelas horas extras ou plantões, que não recebem por cargos de direção, que são cobrados diuturnamente pelas partes e advogados, que estão com os seus subsídios congelados há mais de quatro anos e que, apesar de terem 60 dias de férias como forma de compensação pela ausência de direitos que são reconhecidos a qualquer trabalhador ou funcionário público neste país, não conseguem nem mesmo gozá-las, em razão do excesso de trabalho.
Assim, se não concordo com a tese da subsidiariedade do CNJ defendida pela AMB em prol dos membros dos Tribunais, ou com a forma espetaculosa com que a Corregedora se manifesta publicamente, concordo menos ainda com o tratamento dispensado, nestes últimos tempos, por boa parte da mídia aos magistrados brasileiros.
Não há democracia sem que haja um Judiciário fortalecido e independente, de sorte que não interessa ao País a fragilização da Magistratura brasileira. Denunciar os equívocos e exigir transparência é obrigação da imprensa em uma sociedade democrática, mas ressaltar os aspectos positivos do Judiciário e fazer as distinções necessárias é um dever para com a democracia.
A decisão final do Supremo Tribunal Federal sobre a natureza da competência do CNJ ainda será alvo de debates. Torço para que sejam travados na perspectiva da razão e não da paixão, em respeito à própria Democracia brasileira.
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