COMENTÁRIO
A saída é trair, por Ricardo Noblat
O que se exige de um juiz para ser promovido pelo presidente da República a ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)?
Duas qualidades: reputação ilibada e apurado saber jurídico. É o que pede a Constituição - e estamos conversados.
Não. Conversados não estamos.
A reputação pode não ser tão ilibada e o saber apenas razoável desde que o aspirante a ministro, digamos assim, seja pessoa sensível.
Entenda-se por sensível: capaz de atender vez por outra a favores de quem o nomeou. Ou dos que o ajudaram a ser nomeado pedindo por ele junto ao presidente e aos seus cupinchas.
A verdade é esta: ninguém vira ministro sem contar com padrinhos fortes. De graça, por seus belos olhos e cultura enciclopédica, vira não. Esqueça.
E é aqui que mora o perigo. Quero dizer: o problema.
Como esperar independência a quem pediu favores para chegar a ministro e a quem deve favores por ter chegado lá?
Só há uma saída por ora: trair.
De certa forma foi o que ocorreu com alguns ministros nomeados por Lula e Dilma. Lula queria ver os mensaleiros livres. Acabaram condenados.
O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakai, revelou que Joaquim Barbosa pediu a José Dirceu para reforçar suas chances de ser ministro. Não se sabe se foi atendido.
Joaquim acabou sendo impiedoso com Dirceu e a parcela maior dos réus do mensalão. Procedeu de acordo com sua consciência. Conforme as provas que enxergou no processo.
Existe a favor de Joaquim o fato de ele ter ido parar no STF dois anos antes de o mensalão sacudir a República.
Até então, Lula parecia mais interessado em por um negro no STF do que em se acautelar contra escândalos e condenações futuras dos seus parceiros. Outros ministros chegaram lá depois de Joaquim. E aí...
Tudo costuma ser muito delicado. Nada é dito de maneira direta.
Pessoas próximas do presidente, sem nunca sugerirem que falam em nome dele, sondam as opiniões dos candidatos a ministro. Alguns assuntos preocupam o governo e podem lhe causar sérios embaraços. Dependendo das respostas dos candidatos...
"Deixa comigo que eu mato no peito e chuto", prometeu Luiz Fux ao ouvir de gente ligada a Lula notícias da aflição dele com o julgamento do mensalão.
Fux ainda não era ministro. Pela terceira vez estava em campanha para ser. Pedia socorro a políticos de todas as cores - Maluf, Delfim Netto, Antonio Palocci, Dirceu e Stédile, coordenador dos Sem Terra.
"Mato no peito e chuto" não significava necessariamente que Fux absolveria os mensaleiros se os julgasse culpados. Mas seus interlocutores entenderam que sim. E é bastante razoável pensar que Fux cometeu a frase para que ela de fato assim fosse entendida.
"Eu não conhecia o processo. Ele tinha provas suficientes para condenar os réus", explicou-se depois.
A intuição de Lula acendeu a luz vermelha. "Como posso nomear um candidato apoiado ao mesmo tempo por Delfim e Stédile, pessoas tão diferentes?" - perguntou Lula. E não nomeou.
Dilma nomeou. E ao comparecer à posse de Joaquim Barbosa como presidente do STF nem sequer olhou para Fux.
Tolice! Fux tem quem olhe para ele no calçadão de Ipanema.
Há várias propostas em tramitação no Senado para mudar a maneira de escolha de ministros dos tribunais superiores. Para torná-la menos contaminada pelos interesses do governo e dos políticos.
Difícil que prosperem.
Não servem para o governo como ele desejaria. Nem para os políticos que aprovam as nomeações na esperança de colher favores mais tarde.
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