Peguei do blog do Fred.
Defesa fora do campo versus torcida pelo réu
Juiz analisa condenação de futebolista na Alemanha e sugere como seria no Brasil
Sob o título “Todo poderoso… RÉU?!”, o artigo a seguir é de autoria do Juiz de Direito Gustavo Sauaia Romero Fernandes, do Juizado Especial de Embu das Artes (SP).
Na semana passada, o futebolista brasileiro Breno Vinícius Rodrigues Borges, residente na Alemanha e ex-jogador do Bayern de Munique, foi condenado a pena de três anos e nove meses de reclusão, por ter incendiado a casa da qual era locatário. Estranhamente, nossa comunidade jurídica se calou perante um fato que, se ocorrido no Brasil, causaria arrepios. Refiro-me ao cumprimento imediato da pena estabelecida em primeira instância, mesmo ante a possibilidade de recursos. Tal situação é absolutamente normal na Alemanha, país onde pouco ou nada se fala contra a excelência do Poder Judiciário, muito menos sobre impunidade – menos ainda sobre desrespeito à defesa.
Sinceramente, como juiz de primeiro grau, gostaria que certos juristas explicassem por que um Estado notoriamente civilizado valoriza por completo as sentenças, enquanto outro desenvolve ojeriza implícita – quando não explícita – pelas mesmas. Nas entrevistas e artigos de praxe, destacam que “os juízes erram”. Parafraseando meu amigo Danilo Mironga, seriam os juízes alemães infalíveis, Pancho? Será que, no fim das contas, tinha razão quem advogava a superioridade ariana? O argumento seguinte seria dizer que os juízes brasileiros não tiveram a mesma formação acadêmica. Que eu saiba, é rigorosamente a mesma formação acadêmica dos desembargadores e Ministros. Incrivelmente, também foram as mesmas universidades de promotores, procuradores e advogados. Portanto, se esta assertiva valer, devo chamar Cazuza para concluir que somos iguais em desgraça e devemos cantar o blues da piedade.
Não discuto que um desembargador ou Ministro possui mais experiência. Tal vivência jurídica, e até de vida, constitui uma vantagem incontroversa. Por outro lado, o julgador de primeiro grau tem a seu favor o contato direto com a prova. O que agora tentam enfocar como temerário é, a rigor, o que mais aproxima o Poder Judiciário da verdade real. Quem pergunta e ouve as respostas, em audiência, tem a possibilidade de obter impressão inteligente e sensível sobre o que embasará a decisão. Conduzir a instrução não é problema. Pelo contrário. Fazê-lo bem é o melhor caminho para a solução da lide. Não é por outro motivo que, na maioria esmagadora dos países de melhor desenvolvimento humano, independentemente de o Direito ter origem romana ou costumeira, as decisões de primeiro grau têm efetivo valor. Trata-se de reconhecer um trabalho, no lugar de dar o erro judicial como presumido.
Vale destacar que, tanto lá como aqui, existem formas de impedir que uma sentença evidentemente equivocada tenha efeitos instantâneos. É o caso do Habeas Corpus. Mas o Direito brasileiro decidiu ir além. Além de suspensão ilimitada das sentenças condenatórias, a lentidão dos Tribunais Superiores faz com que, por vezes, nem exista a palavra final sobre ser o réu culpado ou inocente. No Brasil, é possivelmente o que teria sido de Breno, se tomarmos o exemplo de um ex-colega, o atual comentarista Edmundo. Mesmo com duas condenações, em primeira e segunda instâncias, seguiria atuando normalmente, até o dia em que o processo prescrevesse na fila do STJ ou STF. Não tenho o talento estatístico de alguns jornalistas, mas deve se tratar do único caso de um time estar ganhando por 2 a 0 e perder por WO. Daí se dizer que, em campo brasileiro, ampla defesa se transforma em torcida pelo réu.
Alheia a tais polêmicas, a Justiça alemã já coloca Breno pagando pelo que se concluiu ter feito. Na curiosa interpretação germânica, o princípio da Inocência significa que todos são inocentes até sentença em sentido contrário. Na avançada legislação brasileira, renovada a cada ano com projetos mais condizentes com um livro de ficção científica, o réu é inocente até que não caiba recurso algum. Enquanto isso, para todos os efeitos, ele é alvo de uma conspiração de policiais, testemunhas, promotores, juízes, desembargadores e, logicamente, vítimas. Pelo Bayern, a defesa exposta prejudicou a trajetória do zagueiro-réu. Estivesse no Brasil, a História seria outra. Não se trata mais de ampla defesa. É retranca descarada, mesmo.
Mas poderia ser pior. Parreira poderia ter sido jurista…
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