Saiu na Folha de hoje (20/4/12):
“Operação-padrão da PF em 30 aeroportos ocorre sem filas
A Polícia Federal realizou ontem operação-padrão em 30 aeroportos. Participaram 480 agentes, segundo a Fenapef (Federação Nacional dos Policiais Federais), que coordenou o protesto.
O objetivo, disse o presidente da instituição, Marcos Wink, foi criticar a contratação de funcionários terceirizados para desempenhar funções da PF, como o controle de passageiros nas áreas de embarque e desembarque.
Os agentes checaram documentos e bagagens dos passageiros e também distribuíram folhetos explicativos (...)
De acordo com a Infraero, estatal que gerencia os aeroportos brasileiros, não foram registrados tumultos e o índice de atraso nos voos foi de 7,3%, abaixo da média diária, que é de 8% (...)
A categoria calcula que, hoje, 1.300 terceirizados recebam passageiros em guichês da PF no país, sob supervisão de policiais. Em contratos com empresas para este serviço, o governo federal gasta cerca de R$ 9 milhões”
Você está dirigindo seu carro em uma avenida movimentada e quer virar. Você olha para ver se há algum pedestre ou veículo fazendo algo estranho, olha pelo retrovisor para ver se pode mudar de pista, dá seta, move o volante, muda de faixa, endireita o volante, olha pelo retrovisor novamente, pisa no freio, aperta a embreagem, reduz a marcha, dá seta, volta com a mão para o volante, inicia o movimento do volante, olha pelo retrovisor, observa a lateral e o que estiver na frente, redireciona o volante, aperta a embreagem, aumenta a marcha, aperta o acelerador etc. Enfim, você conseguiu entrar na rua que queria.
Sem pensar, você faz isso milhares de vezes todos os dias. Eles se tornam hábitos porque fazem sentido. Você sabe que se não fizer, o risco de bater o carro ou morrer em um acidente aumenta exponencialmente. Essa é sua ‘operação padrão na direção’ e a maioria das pessoas – ao menos das pessoas racionais – respeita essa ‘operação padrão’ diariamente. Isso porque essas regras de conduta geram eficiência, reduzindo desperdício (mortes, acidentes) e esforço comparado com outras opções (imagine como é ineficiente organizar uma corrida de Fórmula 1 só para que 24 pilotos possam correr por 2 horas sem precisar dar seta ou se preocupar com pedestres atravessando o circuito).
Mas você já parou para pensar como é ilógico que quando os agentes estatais querem protestar eles fazem isso apenas cumprindo a norma através de suas operações padrões?
Há dois pontos nisso:
Primeiro, que se esses agentes do Estado resolvem cumprir o que a norma diz apenas quando querem protestar, exatamente o que estão fazendo quando não estão em uma situação de protesto? As normas servem para serem respeitadas. Se não fossem para serem respeitadas e determinarem obrigações, não seriam normas, seriam sugestões de conduta ou regras morais. Se a norma quer dar a possibilidade do agente do Estado ter alguma discrição, ela estabelece os parâmetros dentro dos quais a discrição pode ser exercida. Nas democracias, a norma nunca dá o poder a um agente estatal de fazer o que bem quiser.
O que chamamos de ‘operação padrão’ não é mais do que o cumprimento da norma como ela deve ser cumprida. O problema não está no que acontece durante a operação padrão, mas o que acontece fora dela. Afinal, nos outros dias (os ‘não-padronizados’) qual é a norma que está sendo cumprida se não é a norma aprovada? E quem deu ao agente estatal o poder de estabelecer quais normas quer cumprir? Quando os agentes estatais passam a escolher quais normas cumprirem, ou quando cumpri-las ou contra quem cumpri-las (ou quais normas não cumprir ou quem beneficiar), caímos em uma ditadura.
Mas, segundo e ainda mais importante, é que a gente fica surpreso quando uma ‘operação padrão’ não causa fila ou outro transtorno. Pense nisso: a norma foi feita para gerir nossas vidas. A sociedade, onde vivemos nossas vidas, deve ser o mais eficiente possível (caso contrário, não há por que vivermos em sociedade). Se a norma atrapalha essa eficiência, ela é uma norma ruim e não deveria ter sido feita e não deve ser mantida.
Se a Polícia Federal, ao cumprir a norma existente, gera filas enormes, é porque a norma causa ineficiência. Logo, essa norma não deveria existir. A continuação da existência de uma norma ineficiente gera dois efeitos perversos para a democracia: empurrar as pessoas para a ilegalidade (ou elas cumprem a norma e se tornam ineficientes, ou elas se tornam ilegais para passarem a ser eficientes), e possibilitam que os agentes do Estados exerçam o poder de forma despótica, já que podem punir (ou privilegiar a seu bel prazer) um enorme número de pessoas que foram forçadas à ilegalidade justamente porque o próprio Estado criou uma norma que os colocou entre a cruz (viver na ilegalidade) e a espada (viver ineficientemente).
“Operação-padrão da PF em 30 aeroportos ocorre sem filas
A Polícia Federal realizou ontem operação-padrão em 30 aeroportos. Participaram 480 agentes, segundo a Fenapef (Federação Nacional dos Policiais Federais), que coordenou o protesto.
O objetivo, disse o presidente da instituição, Marcos Wink, foi criticar a contratação de funcionários terceirizados para desempenhar funções da PF, como o controle de passageiros nas áreas de embarque e desembarque.
Os agentes checaram documentos e bagagens dos passageiros e também distribuíram folhetos explicativos (...)
De acordo com a Infraero, estatal que gerencia os aeroportos brasileiros, não foram registrados tumultos e o índice de atraso nos voos foi de 7,3%, abaixo da média diária, que é de 8% (...)
A categoria calcula que, hoje, 1.300 terceirizados recebam passageiros em guichês da PF no país, sob supervisão de policiais. Em contratos com empresas para este serviço, o governo federal gasta cerca de R$ 9 milhões”
Você está dirigindo seu carro em uma avenida movimentada e quer virar. Você olha para ver se há algum pedestre ou veículo fazendo algo estranho, olha pelo retrovisor para ver se pode mudar de pista, dá seta, move o volante, muda de faixa, endireita o volante, olha pelo retrovisor novamente, pisa no freio, aperta a embreagem, reduz a marcha, dá seta, volta com a mão para o volante, inicia o movimento do volante, olha pelo retrovisor, observa a lateral e o que estiver na frente, redireciona o volante, aperta a embreagem, aumenta a marcha, aperta o acelerador etc. Enfim, você conseguiu entrar na rua que queria.
Sem pensar, você faz isso milhares de vezes todos os dias. Eles se tornam hábitos porque fazem sentido. Você sabe que se não fizer, o risco de bater o carro ou morrer em um acidente aumenta exponencialmente. Essa é sua ‘operação padrão na direção’ e a maioria das pessoas – ao menos das pessoas racionais – respeita essa ‘operação padrão’ diariamente. Isso porque essas regras de conduta geram eficiência, reduzindo desperdício (mortes, acidentes) e esforço comparado com outras opções (imagine como é ineficiente organizar uma corrida de Fórmula 1 só para que 24 pilotos possam correr por 2 horas sem precisar dar seta ou se preocupar com pedestres atravessando o circuito).
Mas você já parou para pensar como é ilógico que quando os agentes estatais querem protestar eles fazem isso apenas cumprindo a norma através de suas operações padrões?
Há dois pontos nisso:
Primeiro, que se esses agentes do Estado resolvem cumprir o que a norma diz apenas quando querem protestar, exatamente o que estão fazendo quando não estão em uma situação de protesto? As normas servem para serem respeitadas. Se não fossem para serem respeitadas e determinarem obrigações, não seriam normas, seriam sugestões de conduta ou regras morais. Se a norma quer dar a possibilidade do agente do Estado ter alguma discrição, ela estabelece os parâmetros dentro dos quais a discrição pode ser exercida. Nas democracias, a norma nunca dá o poder a um agente estatal de fazer o que bem quiser.
O que chamamos de ‘operação padrão’ não é mais do que o cumprimento da norma como ela deve ser cumprida. O problema não está no que acontece durante a operação padrão, mas o que acontece fora dela. Afinal, nos outros dias (os ‘não-padronizados’) qual é a norma que está sendo cumprida se não é a norma aprovada? E quem deu ao agente estatal o poder de estabelecer quais normas quer cumprir? Quando os agentes estatais passam a escolher quais normas cumprirem, ou quando cumpri-las ou contra quem cumpri-las (ou quais normas não cumprir ou quem beneficiar), caímos em uma ditadura.
Mas, segundo e ainda mais importante, é que a gente fica surpreso quando uma ‘operação padrão’ não causa fila ou outro transtorno. Pense nisso: a norma foi feita para gerir nossas vidas. A sociedade, onde vivemos nossas vidas, deve ser o mais eficiente possível (caso contrário, não há por que vivermos em sociedade). Se a norma atrapalha essa eficiência, ela é uma norma ruim e não deveria ter sido feita e não deve ser mantida.
Se a Polícia Federal, ao cumprir a norma existente, gera filas enormes, é porque a norma causa ineficiência. Logo, essa norma não deveria existir. A continuação da existência de uma norma ineficiente gera dois efeitos perversos para a democracia: empurrar as pessoas para a ilegalidade (ou elas cumprem a norma e se tornam ineficientes, ou elas se tornam ilegais para passarem a ser eficientes), e possibilitam que os agentes do Estados exerçam o poder de forma despótica, já que podem punir (ou privilegiar a seu bel prazer) um enorme número de pessoas que foram forçadas à ilegalidade justamente porque o próprio Estado criou uma norma que os colocou entre a cruz (viver na ilegalidade) e a espada (viver ineficientemente).
No comments:
Post a Comment