17.4.12

Caso interessante.

Do Conjur


JUSTIÇA TRIBUTÁRIA

Tributo para pagar aposentadoria de advogados é ilegal

Nós advogados fazemos um juramento ao receber a carteira da OAB, que nos obriga a, dentre outros deveres, defender a justiça social, a boa aplicação das lei e a rápida administração da Justiça.
Quando falamos em justiça tributária isso inclui dar a cada um o que é seu no que respeita ao sistema tributário: só pagar o tributo legítimo, rejeitar a incidência espúria, a cobrança indevida, enfim, não pagar o que não está de acordo com a constituição e as leis do país.
Se queremos mesmo defender a boa aplicação das leis, devemos repudiar a cobrança dessa taxa ridícula que pagamos a quem não conhecemos, como se fosse um flanelinha que tomasse conta da nossa carteira enquanto estamos trabalhando. Talvez não tenhamos percebido, mas nesta era de advocacia de massa, essa taxa ganha relevância e certamente será rejeitada pelo cliente, que não deve ter obrigação de pagar uma taxa indevida.
Prestem atenção, colegas: quem nomeia advogado em qualquer processo perante a Justiça Estadual de São Paulo deve recolher uma taxa equivalente a 2% (dois por cento) do salário mínimo, pela simples juntada da procuração aos autos. Esse valor é pago para cada impetrante, quer seja ele autor, réu ou simples interessado que por qualquer motivo outorgue procuração a ser juntada nos autos. E a taxa pode ser paga várias vezes, inclusive nos casos de substabelecimento.
Quanto se arrecada a esse título, ninguém sabe. Quantos são os beneficiários? Essa taxa sustenta algum cabide emprego? O que todos sabem é que essa taxa teria como destinação a aposentadoria complementar de advogados que tenham se filiado à Carteira de Previdência do IPESP (Instituto de Previdência do Estado de São Paulo). Ou seja: todos pagam um tributo, para benefício de alguns, o que é flagrantemente inconstitucional.
De fato, a Lei estadual (de São Paulo) nº 10.394 de 16/12/70 , em seu artigo 40, inciso III criou a referida contribuição como uma das fontes de receita para financiar a Carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo, administrada pelo IPESP. As demais fontes de receita estão definidas no artigo 48 do mesmo diploma legal e são, basicamente, as contribuições mensais dos segurados e aposentados.
O artigo 56 da lei institui um Conselho, composto de representantes da OAB-SP, do IASP e da AASP. Portanto, presume-se que os recursos arrecadados pela Carteira, inclusive os decorrentes da referida contribuição, estejam sendo fiscalizados quanto à sua utilização, embora nunca tenhamos visto adequada publicidade das respectivas contas.
O contribuinte da mencionada taxa é o outorgante, não o advogado, pois o já mencionado artigo 48, III, diz:
“Art. 48 – A receita da Carteira é constituída:
...
III – da contribuição a cargo do outorgante de mandato judicial;”
Trata-se sem dúvida de tributo, na forma da definição contida no artigo 3º do Código Tributário Nacional. E é um tributo da espécie denominada taxa, assim definida no artigo 77 do CTN:
“Art. 77 – As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.”
A natureza tributária da referida taxa já foi reconhecida em inúmeras decisões judiciais. Veja-se, a respeito, o AI 484.783 da 5a. Câmara do 2º Tribunal de Alçada Civil , julgado em 23.04.1997:

“A taxa judiciária é um tributo. A lei que a instituiu tem natureza tributária, não comportando interpretação limitativa ou ampliativa.”
Na Apelação 746.754-3, a 1a. Câmara de Férias do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, sendo Relator o Juiz Elliot Akel, decidiu
“A lei de custas, em seu artigo 8º, também regulou a destinação de parcelas da taxa judiciária, gênero da qual a contribuição exigida pela sentença é espécie. Espécie cuja natureza não é afastada pelo fato de a exigência da verba advir do ato da juntada do mandato ao processo, dando-se a ela a denominação de “contribuição especial”, contemplada, aliás, pela lei estadual nº 10.394/70.”
O 1º Tribunal de Alçada Civil deste Estado, na AC 0000395-1/91, decidiu:
“TAXA JUDICIÁRIA – MANDATO – Juntada de Instrumento aos Autos – Ausência, todavia, da guia de recolhimento da taxa devida – Irrelevância – Extinção afastada, devendo o fato ser comunicado à Carteira dos Advogados do IPESP para cobrança – Recurso desprovido para esse fim. ” (GN)
Assim, convém deixar claro que, ao contrário do que muitos pensam, a referida taxa não é cobrada pela OAB, mas pelo IPESP. Como bem decidiu o 1º TAC (item 15 acima) , é uma contribuição especial, espécie do gênero “taxa judiciária”.
Ora, o Estado pode cobrar taxa pela utilização do serviço público específico e divisível, no caso o decorrente do andamento do processo em que o mandato é juntado. O fato de destinar sua receita para financiar determinado órgão, fundo ou despesa , não a desnatura. Mas o que a desnatura é o fato de que beneficia particulares, no caso os advogados inscritos no IPESP, aliás menos de 10% dos inscritos na OAB
O Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.145-6, assim decidiu:
“I – As custas, a taxa judiciária e os emolumentos constituem espécie tributária, são taxas, segundo a jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal.
...
III – Impossibilidade de destinação do produto da arrecadação, ou de parte deste, a instituições privadas, entidades de classe e Caixa de Assistência dos Advogados. Permiti-lo importaria ofensa ao princípio da igualdade. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
IV – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.”
Essa taxa já foi por nós questionada mediante representação datada de 3/7/2001 perante o Conselho da OAB-SP. Lamentavelmente, seu então presidente resolveu encaminhar o assunto de forma irregular, não o submetendo à apreciação do Conselho, com o que a matéria terminou por ser arquivada, depois de examinada apenas por advogados vinculados à Carteira de Previdência.
Ora, não é justo que todas as pessoas que procuram o Judiciário sejam obrigadas a custear a aposentadoria de advogados. Mais injusto ainda é que os valores assim arrecadados sejam destinados a uma parcela muito pequena dos advogados, menos de dez por cento dos inscritos. Por não aceitar essas e outras injustiças, deixei de ser conselheiro da OAB-SP.
O artigo 44 da Lei 8906 diz que uma das finalidades da OAB é defender a Constituição. Ao não discutir tal assunto e assim prolongar a vigência de um tributo que o STF já disse ser inconstitucional, a entidade desviou-se do texto da Lei. E mais: todos os advogados que concordam com isso traem o juramento que fizeram na sua colação de grau.
Diante disso tudo, resta-nos repudiar esse tributo e, doravante, deveríamos não mais recolhê-lo para que a Constituição seja observada. Mas o não recolhimento poderá nos causar trabalho redobrado, uma vez que haverá juízes que poderão declarar nulo o ato praticado sem o pagamento da taxa. Aí haverá Agravo ou qualquer outra medida que, mesmo vitoriosa, irá consumir nosso tempo. E tempo é a única coisa que vendemos.
Ainda que tais magistrados estejam apenas tentando defender o interesse dos advogados filiados ao IPESP, ainda que sejam movidos pelo espírito de fraternidade que nos une todos como operadores do direito, a verdade é que a taxa é indevida. Da mesma forma que a taxa antigamente cobrada pela Apamagis em atos cartorários já foi extinta, essa taxa de juntada de mandato precisa ser abolida. Não é só o valor que se leva em conta, mas também a chateação. Já vi colega que tendo se esquecido de juntar a guia, viu-se obrigado a enfrentar nova fila no banco e depois no protocolo, tudo para dar pouco mais de dez reais a quem não deve receber nada, pelo simples fato de ser tributo indevido.
Quem a paga nada recebe, quem talvez receba alguma coisa não contribuiu, e ainda pior: não existe uma prestação de contas transparente disso tudo. Abaixo a taxa de juntada de mandato. Isso é injusto e ilegal. Juramos defender a Justiça e lutar pela legalidade.
Raul Haidar é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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