3.5.11

Coisas loucas

Outra da Folha de São Paulo de hoje, caderno Equilíbrio. Trata-se de assunto que já abordei aqui antes, na esteira do massacre de Realengo.



COISAS LOUCAS

MARION MINERBO - marion.minerbo@terra.com.br
Precisamos cuidar deles

O massacre de Realengo é sintoma da precariedade da rede de atendimento em saúde mental

LOGO DEPOIS do massacre de Realengo, falou-se em aumentar a segurança nas escolas e em limitar a venda de armas, para evitar novas tragédias. Curiosamente, não li nada sobre a necessidade de ampliar a rede de atendimento em saúde mental.
A doença mental é determinada por vários fatores.
Para a psicanálise, o ambiente familiar disfuncional secreta carga intensa de violência emocional. Invisível a olho nu, o bullying começa em casa. E, quanto mais sutil, mais destrutivo. Como a radiação que vaza de usinas nucleares, a carga tóxica afeta a autoestima da criança para sempre.
O bullying ostensivo na escola é consequência disso. Para sobreviver num ambiente enlouquecedor, o psiquismo mobiliza defesas que se manifestam como sintomas. Estes devem ser controlados com medicação. Mas o tratamento da doença mental exige um ambiente que seja, em si, terapêutico. Se as dificuldades emocionais surgem nas relações com pessoas, é nas relações com pessoas que podem ser tratadas.
Essa é a proposta do Centro de Atenção Psicossocial.
O Caps oferece um espaço de convivência protegido e oficinas terapêuticas, além de medicação e psicoterapia.
Ali, os usuários partilham o cotidiano com outros pacientes e jovens psicólogos capacitados a ajudá-los a dar sentido a seu sofrimento. O tratamento acontece de forma espontânea, em meio às atividades, pois o cotidiano é organizado para oferecer tempo, espaço e meios para a expressão dos conflitos.
A humilhação, que é a pior das dores, precisa encontrar espaço de acolhimento. Isso é fundamental, porque não dá para viver sem um mínimo de amor próprio. Muitas vezes, a pessoa só vê duas saídas: suicídio ou homicídio.
A dor psíquica envergonha e cala as pessoas, que se escondem do mundo. Por isso, pode ser invisível para o leigo. Mas ela é evidente para o profissional da saúde mental que convive diariamente com os pacientes. Isso lhe permite indicar internação nos momentos em que há risco de vida para si ou para outros.
Se estivesse em tratamento numa comunidade terapêutica, Wellington poderia ter encontrado outra saída para o impasse em que se encontrava. Em vez disso, caiu na rede de comunidades virtuais, que pôs lenha na fogueira.
Não adianta tapar o sol com a peneira: o massacre de Realengo é sintoma da precariedade da rede de saúde mental. Ela tem de estar mais presente e acessível.
Precisamos cuidar dos Wellingtons que estão por aí, antes que seja tarde.


MARION MINERBO, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Neurose e Não-Neurose" (Casa do Psicólogo)

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