São Paulo é palco de duas guerras distintas. Numa delas a troca de tiros se dá entre policiais militares e criminosos ligados ao Primeiro Comando da Capital. A outra, menos sangrenta mas também destrutiva, foi uma guerra de palavras entre o Ministério da Justiça e a Secretaria de Segurança de São Paulo, cada lado culpando o outro pela crise estabelecida. Ao que tudo indica essa segunda disputa arrefeceu, São Paulo aceitou negociar os termos de um auxílio federal.
Já a primeira guerra continua quente e produzindo baixas. Morreram dezenas de policiais enquanto o outro lado contabiliza um número ainda incerto de vítimas. Ha mais de dois meses discutíamos neste blog a batalha que, a noite e na surdina, era travada na periferia. Policiais executando suspeitos, criminosos assassinando policiais em emboscadas planejadas e a volta de uma modalidade que havia saído de cartaz há anos do noticiário paulista, chacinas praticadas por grupos de extermínio na periferia.
Resumindo o artigo anterior, os motivos para a volta de violência em grande escala são:
1. Quebra das regras de convivência entre policiais e criminosos, que implica em que o criminoso que se rende vai preso mas não morre
2. Fim de um acordo insustentável entre a direção da segurança pública de São Paulo e o PCC.
O segundo motivo é mais recente. Embora a Secretaria de Segurança negue, é evidente que houve um pacto, mesmo que não explícito, entre os dois lados. Os quase seis anos de paz com o PCC não caíram do céu. Depois da demonstração de força de 2006 essa organização criminosa sumiu do noticiário. Silêncio nos presídios, onde as constantes rebeliões acabaram como um passe de mágica, silêncio nas ruas, onde policiais civis eram proibidos de mencionar o Primeiro Comando da Capital para a imprensa, silêncio na Secretaria de Segurança, onde a nem se admitia a existência do “partido”, como o pessoal do metier chama o PCC.
Deu no que deu. Em algum momento dos últimos meses o acordo que mantinha o PCC discreto e a Secretaria paralisada foi rompido. Não interessa porque ou por quem. Não podia durar porque, além de ilegal, pois as polícias tem obrigação de agir contra todo e qualquer grupo criminoso, também era um acordo imoral, já que alicerçado sobre o cadáver de dezenas de policais mortos em 2006.
E quem ganhou com esses cinco anos de trégua foi a organização criminosa, que teve tempo para aumentar seu poder nos presídios e crescer nas ruas. E por conta disso os corpos se avolumam e a chefia da segurança paulista não consegue estabelecer uma estratégia para enfrentar a crise, simplesmente nega os fatos e esconde a cabeça na areia.
O problema é que para pensar numa estratégia é necessário reconhecer que existe um problema, e o comando da segurança paulista demorou demais. Para controlar a situação são necessárias medidas para conter os dois lados. É preciso apaziguar parte da polícia que quer vingar os companheiros mortos e controlar o crescente poder do PCC, além de punir os responsáveis pelos homicídios. Nenhum desses objetivos é de curto prazo. Os donos da segurança deixaram a crise ir longe demais.
Por conta disso qualquer política de segurança que procure cumprir estas metas tem de atacar em várias frentes. Nas conversas com gente do ramo todos mencionam cinco medidas que tem de começar imediatamente para que possamos sair da crise e voltar ao status quo, a insegurança normal que vive o paulistano. As medidas recomendadas pelos especialistas são:
- Apertar com o PCC tirando dele o controle dos presídios. Enquanto essa organização mantiver o domínio nos presídios vai continuar crescendo. O criminoso profissional adere ao PCC porque sabe que um dia ou outro acaba em cana, e aí a melhor coisa é ser amigo de quem manda na cadeia.
- Mandar os líderes do crime para o isolamento, dificultando a comunicação com os cúmplices. A quase totalidade dos que mandam na organização criminosa está em presídios comuns. Desde 2006, quando o acordo PCC x Segurança entrou em vigor, apenas um líder (codinome Tiriça) foi mandado para o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), e isso só ocorreu neste ano. Aliás supõe-se que foi um dos motivos das represálias dos criminosos.
- Criar uma força tarefa com PM e PC para investigar os homicídios de policiais. Uma das regras não escritas, e que foi deixada de lado, é dar prioridade a investigação dos homicídios cujas vítimas são policiais. O motivo dessa regra é simples: se o Estado não identificar e punir quem mata um policial, existe uma grande probabilidade de que seus colegas resolvam se vingar as margens da lei. E no nosso caso com um agravante, pois na maior parte dos casos não foram identificados os matadores. Sem saber quem foi o autor dos crimes alguns policiais acabam exercendo a vingança contra qualquer bandidinho ou pessoa que pareça criminoso.
- Investigar de fato as mortes praticadas por supostos grupos de extermínio. Já tivemos três períodos nos últimos 30 anos em que a Polícia Civil criou grupos especiais para conter determinados grupos de matadores. Na década de 80 quem mais matava eram os Pés de Pato, Justiceiros, etc. Matadores da periferia que matavam por contrato com comerciantes da região. Alguns anos atrás foram os grupos de extermínio constituídos por PMs, que faziam a mesma cosa escondidos atrás da farda. Em ambos os casos foram criados grupos para investigar estes crimes, muitos matadores foram presos o número de homicídios baixou muito na década passada.
- Criar um grupo que investigue o dinheiro do PCC. No mundo inteiro a regra número um no combate as organizações criminosas é localizar e apreender o dinheiro ganho ilegalmente. Sem capital qualquer grupo criminoso perde poder e prestígio. Parece que temos dificuldade em seguir essa receita. Aparentemente as polícias e o Ministério Público não estão interessados em seguir esta trilha longa e que dá pouco Ibope.
Nenhuma das 5 ações vai produzir resultados imediatos, mas são necessárias e quanto mais tarde iniciarem pior para todos nós, que teremos que continuar no meio de uma guerra, servindo de alvo para ambos os lados. E não se engane o leitor se, de repente, as mortes diminuírem. Pode ser apenas uma volta aos termos do antigo acordo, o que acabará por dar ao PCC tempo para respirar e aumentar o poder, começando um novo round daqui algum tempo.
Guaracy Mingardi
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