Processo n. 5792/2011
V I S T O S.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULOingressou com ação civil pública contra EMIDIO DE SOUZA, MARCO AURÉLIO RODRIGUES FREITAS E ESTANISLAU DOBBECK. Alega: a) o primeiro requerido é o Prefeito Municipal desde 2005; b) o segundo requerido é o Secretário da Educação e o terceiro é o das Finanças; c) conforme laudo do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, o Município de Osasco aplicou 21,48% de suas receitas na educação e utilizou apenas 69,5% dos recursos do FUNDEF no ano de 2005; d) por essa razão os requeridos podem ser condenados por improbidade administrativa, eis que a Constituição Federal determina que os municípios devem usar na educação no mínimo 25% de sua receita (artigo 212 da CF). Os requeridos, então, não agiram dentro da lei. Assim, pede a procedência do pedido inicial para que os requeridos sejam condenados nas penalidades do artigo 37 da CF e artigo 12 da lei 8429/92. Junta o inquérito civil, ora em apenso. Foi determinada a notificação dos requeridos (fls. 13). Foram deferidos os prazos em dobro para manifestação deles (fls. 24).
Eles apresentaram manifestação prévia (Emidio - fls. 26/42, com documentos – fls. 43/94; Estanislau – fls. 99/141, com documentos – fls. 142/208; Marco Aurélio – fls. 260/273, com documentos – fls. 274). O requerido Estanislau agravou contra fls. 24 (fls. 215/238). Foi concedido efeito suspensivo (fls. 240/242). Foram prestadas informações (fls. 244). O autor falou sobre as manifestações dos requeridos (fls. 276/276v). O requerido Estanislau trouxe cópia do V. Acórdão (fls. 280/286). Em seguida, embargou de declaração (fls. 288/293, 296/297).
É o relatório. D E C I D O.
Em primeiro lugar, atento ao V. Acórdão e aos embargos de declaração, esclareço que as manifestações prévias são tempestivas e serão apreciadas igualmente. A decisão de fls. 278 é equivocada e fica revogada. No tocante à citação já recebida pelos requeridos, evidente que houve, infelizmente, equívoco em tal determinação. A presente fase é de apreciação das manifestações prévias. Se rejeitadas, deverão ser os requeridos citados novamente, abrindo-se o prazo para contestação formal. Assim, esclarecido que não há o prejuízo vislumbrado pelos requeridos, desnecessário anular o feito a partir do despacho inicial.
A fase processual em que estamos é a seguinte, nos termos da lei:
§ 7o Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)
§ 8o Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)
§ 9o Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)
Então, passo a examinar as defesas. O requerido Emidioafirma que o município aplicou os 25% exigidos constitucionalmente. Acrescenta que as contas da Prefeitura para aquele ano foram aprovadas pela Câmara Municipal local. Diz que o TCE não considerou dentro dos 25% diversas quantias assim analisadas pela PMO: restos a pagar em 2006, recolhimento do PASEP dos servidores da Secretaria da Educação e apropriação das despesas de outros setores quando mobilizados para a área da educação (vide fls. 82).
Além disso, argumenta que o orçamento de 2005, feito em 2004 previa as despesas tendo em vista uma expectativa de arrecadação. Ocorre que a arrecadação foi maior que o esperado e previsto. Se considerados os gastos com educação frente ao orçamento estimado o piso de 25% teria sido facilmente atingido. Para colocar os números, esperava-se uma arrecadação de R$ 399 milhões. Foram arrecadados R$ 426 milhões.
Também esclareceu que os percentuais destinados à educação foram aumentando no correr do ano de 2005: 17,26%, 21,15%, 22,43% e 38,5%. No último trimestre, percebendo o aumento de arrecadação, houve um esforço na alocação de recursos para que fosse atingido o piso constitucional.
No tocante às verbas do FUNDEF, esclarece o requerido Emidio que na época dos fatos não havia uma obrigatoriedade legal da aplicação integral no mesmo ano. O mesmo argumento é empregado pelo requerido Marco Aurélio. Nesse aspecto, assim como em vários outros, não houve qualquer refutação por parte do Ministério Público. Anoto também que essa questão não foi abordada com essa minúcia no parecer do TCE (vide fls. 59).
O requerido Estanislau ventila a tese da inépcia da inicial. Essa é uma das questões que será apreciada juntamente com o mérito, eis que diversos argumentos confundem-se. De qualquer forma, este Juiz já decidiu que não é necessária a prova do dolo nas questões de improbidade. Também é desnecessária uma narrativa criminal, com especificação de condutas, como se estivéssemos tratando de um crime.
No tocante à correlação entre o pedido e a causa de pedir, esta é simples: o TCE apontou o que seria uma improbidade e o autor busca a responsabilização dos supostos culpados. Pode-se questionar o raciocínio, mas é este que temos e que deve ser apreciado neste momento em que o contraditório é antecipado ao formal recebimento da ação.
O requerido Estanislau também argumenta que existe uma usurpação de competências, eis que o Legislativo já aprovou as contas, rejeitando o parecer do TCE. Assim, dada a aprovação do Legislativo municipal, não haveria razão para o pedido inicial. Tal raciocínio é sedutor, mas existem julgados pregando que a aprovação das contas não impede a propositura da ação de improbidade:
Relator(a): Renato Nalini
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Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Público
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Data de registro: 14/12/2005
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Outros números: 299.480-5/5-00, 994.02.084423-4
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Ementa: NULIDADE - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - FALTA DE CITAÇÃO DA MUNICIPALIDADE - INOCORRÊNCIA - HIPÓTESE DE LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO PRELIMINAR AFASTADA AÇÃO CIVIL PÚBLICA -IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES SEM REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO - FALTA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL - VIOLAÇÃO DA CF, LEGISLAÇÃO FEDERAL E LOCAL - APROVAÇÃOADMINISTRATIVA PELO TRIBUNAL DE CONTAS QUE NÃO FAVORECE O RÉU NESTA SEDE - RECURSO DESPROVIDO NESTE PONTO AÇÃO CIVIL PÚBLICA -IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - RESSARCIMENTO AO ERÁRIO - DESCABIMENTO - SERVIDORES QUE EFETIVAMENTE PRESTARAM SERVIÇOS AO MUNICÍPIO - CONDENAÇÃO AO RESSARCIMENTO AFASTADA - RECURSO PROVIDO NESTE PONTO
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Relator(a): Lineu Peinado
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Comarca: Casa Branca
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Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Público
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Data do julgamento: 07/10/2008
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Data de registro: 20/10/2008
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Outros números: 5674225000, 994.06.166831-9
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Ementa: Ação Civil' Pública - Prefeito - Ato de improbidade - Comprovada a prática de ato de improbidade pelo réu, irrelevante a aprovação de suas contas pela Câmara Municipal. Precedente . Recurso improvido.
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O requerido também argumenta que existe julgado do STF dizendo que não cabe a propositura da ação de improbidade no Juízo de primeiro grau contra agentes políticos. Com o devido respeito, rejeito tal argumento, eis que o julgamento do STF não foi cristalizado em súmula vinculante. Não tem base legal para aplicação indiscriminada a casos que possam parecer semelhantes.
O requerido Marco Aurélio tece considerações sobre o seu passado como professor e lista as realizações da pasta da Educação ao tempo em que esteve à frente dela, lembrando também sua falta de experiência administrativa. Reitera, assim como os outros requeridos, que foi investido o mínimo constitucional na educação e que a questão do FUNDEF não procede.
Feita essa breve análise dos argumentos, sendo que alguns deles já foram rejeitados, passo à fase do artigo 17, parágrafo oitavo da lei 9429/92:
§ 8o Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)
O fato é que os argumentos dos requeridos convencem da inexistência do ato de improbidade. Em 2005 os requeridos estavam no primeiro ano de gestão, com um orçamento vindo da administração anterior e tendo que administrar com cuidado para não incidirem em gastos não suportados pelo orçamento. Assim, como dito pelo requerido Emídio, os gastos com educação foram aumentando trimestralmente, com grande aumento no último trimestre ante a necessidade de alcance do piso constitucional. Houve um aumento da arrecadação e isso levou à uma necessidade de se aumentarem os dispêndios.
Além disso, a defesa do requerido Emídio relata que a prefeitura não tinha mecanismos eficientes de acompanhamento orçamentário, o que levou à substituição. A falta desses mecanismos levou a um certo prejuízo administrativo. Nos anos seguintes houve a aplicação do piso constitucional em moldes corretos.
Apesar da existência de julgados pregando a desnecessidade de ausência de dolo nos casos de improbidade, bastando a mera culpa, entendo, com o devido respeito, que aqui não se cuida de nenhum dos dois casos. Houve uma dose de imprevisão, aliada a fatores herdados da gestão anterior.
O TCE deu parecer pela rejeição das contas da PMO mas é a Câmara Municipal quem aprova ou rejeita. Esta partiu de outros números e concluiu pelo uso do piso constitucional para a educação. O TCE questionou e desconsiderou os elementos fornecidos pela PMO. Será que o parecer merece esse status de decisão? A decisão foi da Câmara Municipal, aprovando.
Finalmente, considero que houve, sim, uso do piso constitucional. A questão do FUNDEF já foi abordada antes. Como diz o julgado abaixo, eventual inabilidade do administrador não fundamenta ato de improbidade:
Relator(a): Henrique Nelson Calandra
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Comarca: Serra Negra
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Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Público
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Data do julgamento: 24/05/2011
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Data de registro: 01/06/2011
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Outros números: 13848120088260595
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Ementa: Apelação Cível. Ação Civil Pública. Improbidade
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Além disso, é preciso ir ao que significa improbidade. Segundo Wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/ Improbidade_administrativa, em 18 de maio de 2012):
Improbidade administrativa é o ato ilegal ou contrário aos princípios básicos da Administração, cometido por agente público, durante o exercício de função pública ou decorrente desta. Segundo Calil Simão, o ato de improbidade qualificado como administrativo (ato de improbidade administrativa), é aquele impregnado de desonestidade e deslealdade.[1]
Segundo o site Dicionário Informal (http://www. dicionarioinformal.com.br/ improbidade/, em 18 de maio de 2012):
. Improbidade
Improbidade é a ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.
Improbidade Administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano) revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo "tráfico de influência" nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos.
Improbidade Administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano) revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo "tráfico de influência" nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos.
Ora, no presente caso, com o devido respeito, não estamos diante de um “desvirutamento da Administração Pública”. Não estamos diante de um ato “impregnado de deslealdade e desonestidade”.
Assim, nos termos do artigo 17, parágrafo oitavo da lei 8429/92, rejeito o pedido inicial, eis que convencido da inexistência do ato de improbidade. Como dito antes, a citação foi determinada por equívoco. Não existe sucumbência, portanto. Transitada em julgado, nada sendo pedido, arquivem-se os autos.
P.R.I.
Osasco, 18 de maio de 2012.
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