Fim do famoso justiceiro
10 de fevereiro de 2012 | 3h 03
É CORRESPONDENTE EM PARISGILLES LAPOUGE, É CORRESPONDENTE EM PARISGILLES LAPOUGE - O Estado de S.Paulo
O juiz mais célebre do mundo, o espanhol Baltasar Garzón, não mais investigará os infortúnios, as injustiças ou as perfídias do mundo.
Ontem, em Madri, o Supremo Tribunal decidiu que ele não poderá exercer seu ofício por 11 anos. Como está com 56 anos, a carreira de Garzón está acabada, tanto mais que ele está sendo processado em outros dois casos, o que poderá ampliar essa interdição para 20 anos.
Esse andaluz ficou conhecido cedo e de maneira estrondosa. Sua maior façanha foi a prisão do ditador chileno Augusto Pinochet em 1998. Para inquirir sobre os horrores das ditaduras na Argentina e Chile, ele convocou vítimas espanholas dos dois regimes.
Logo no começo, abriu um processo para legitimar a "ingerência" em nome da "competência universal". Conseguiu, assim, que a Espanha, em 2005, se dotasse da legislação mais avançada do mundo: mesmo na ausência das vítimas espanholas, o país pôde abrir inquéritos sobre genocídios na Guatemala, crimes no Tibete, torturas em Guantánamo sob a presidência de George W. Bush.
Pois é esse homem que agora se defronta com a Justiça de seu país, respondendo a três acusações diferentes: a primeira, que motivou a condenação de ontem, é a de ter realizado escutas ilegais num processo de corrupção contra a direita espanhola. A segunda: favorecimento de um banqueiro do qual teria recebido uma grande remuneração para fazer conferências em Nova York. E a terceira, e principal, Garzón instruiu um processo sobre os crimes do franquismo, embora tais crimes tenham sido objeto de uma anistia em 1978.
Seria o caso de pensar, então, que todo esse empenho da Justiça espanhola contra Garzón tem a ver com suas posições de esquerda? Na verdade, Garzón foi deputado socialista em 1993, mas houve uma rápida ruptura quando ele abriu um inquérito sobre os "grupos antiterroristas de libertação", organização secreta cuja finalidade era eliminar os membros da ETA, os nacionalistas bascos. E criada por quem? Por Felipe González, primeiro-ministro socialista.
Mas mesmo que Garzón seja de esquerda e considerado pela "direita franquista" um homem de esquerda, seus excessos não se explicam somente por sua posição política. Além do que, o juiz que o condenou pelo inquérito sobre os crimes do franquismo é próximo dos socialistas.
E então? Apesar da aparência discreta e a voz débil, Garzón é dado a gestos espetaculares. Os espanhóis chamam de "garzonada" a uma ação judicial que atrai atenção da mídia. E tem muitos apelidos: "buldôzer", "juiz-estrela", "Super Garzón". Como tem um ego gigantesco, Garzón choca-se com outros egos gigantescos de muitos notáveis.
Na sua fome de celebridade ou necessidade de justiça, ele não tem escrúpulos quanto aos métodos. Quando resolveu combater a ETA, os traficantes de cocaína, os terroristas islâmicos, abusou de ordens de detenção. Colocou muita gente na prisão para depois liberá-las por falta de provas.
Foi sua ofensiva contra o franquismo que despertou mais polêmica. Em 2006, ele decidiu ignorar o "Pacto do Esquecimento", que remonta a 1978, quando foi decretada uma anistia geral em troca de uma "transição democrática" aceita pelos antigos franquistas.
Como ele justificou a retomada do caso, apesar desse pacto? Renomeou o desaparecimento de republicanos durante a Guerra Civil (1936-1939) como crimes contra a humanidade, que são "imprescritíveis". Ordenou a reabertura das valas comuns e identificou os corpos de 114 mil desaparecidos. Isso abalou o Judiciário, que denunciou o fato como uma inquisição incompatível com um estado de direito. Garzón foi suspenso de suas funções em maio de 2010.
Garzón está agora numa posição perigosa. Mas há os que o apoiam. A Anistia Internacional, organizações de direitos humanos, a Comissão Internacional de Juristas. E intelectuais espanhóis como Pedro Almodóvar, Pilar Bardem ou Marisa Paredes. Na América Latina, em países que sofreram uma ditadura feroz, como Argentina e Chile, ele é respeitado. O procurador argentino do Tribunal Penal Internacional, Luis Moreno Ocampo, declarou: "Como se chocou com tantos meios diferentes, Garzón só pode ser rejeitado pelas elites. É um homem que desperta a admiração do povo e a raiva das elites".
Enfim, ele é incensado pelos espanhóis cujos parentes desapareceram na Guerra Civil, que gostariam de saber como foram mortos e em que vala seus corpos foram jogados. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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