13.5.08

Prisão indevida - sentença de procedência

Segue mais uma sentença, mas esta é mais interessante.

1a VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE OSASCO










Processo n. 14338/2007


V I S T O S.


TIAGO CLEBER DE SOUZA COSTA move ação de indenização por danos de ordem moral contra o ESTADO DE SÃO PAULO. Alega: a) foi preso num dia 13 de novembro de 2005, domingo, em decorrência de mandado de prisão expedido numa ação de execução de alimentos que corria pela 3ª. Vara Cível de Osasco; b) o mandado tinha sido expedido no dia 23 de setembro de 2005; c) no dia 30 de setembro de 2005, no entanto, as partes transigiram e o acordo foi homologado judicialmente no dia 06 de outubro de 2005, expedindo-se contra-mandado de prisão; d) apesar disso, mesmo havendo o contra-mandado, o autor foi preso, posto que a ordem de prisão constava no sistema do IIRGD, mas não a contra ordem. Depois disso, constituiu advogado e logrou ser solto no dia 16 de novembro de 2005. ficou preso por três dias em local com outras pessoas presas por crimes. Pede o pagamento de indenização por danos de ordem moral, em valor a ser fixado pelo Juiz. Pede a gratuidade. Junta documentos (fls. 14/48, 53/55). A gratuidade foi deferida (fls. 56).

O requerido contestou (fls. 59/73). Levanta a preliminar de inépcia da inicial, eis que o autor não especificou o quanto deseja. No mérito, nega que exista responsabilidade do Estado e pede a improcedência do pedido inicial. Comenta que o autor esperou três dias para pedir sua soltura. Pedida esta, foi apreciado o pedido e solto no mesmo dia. O autor falou em réplica (fls. 80/85). A requerida esclareceu que não tem provas a produzir (fls. 91/92).

É o relatório.

D E C I D O.


Passo a decidir o feito no estado em que se encontra, eis que os pontos controvertidos são de direito.

Rejeito a preliminar de inépcia da inicial eis que a fixação da indenização por danos de ordem moral cabe ao juiz. Assim, existem diversos julgados afirmando que o autor pode dar à causa um valor qualquer, sendo que o juiz pode fixar o valor da indenização em outro.

No mérito, entendo que o autor tem razão. De fato, os autos mostram que: a) foi decretada sua prisão em 13 de setembro de 2005 (fls. 18); b) o mandado de prisão foi expedido (fls. 22); c) no dia 06 de outubro de 2005 foi determinada vista ao MP da petição de acordo (fls. 26); d) o acordo foi homologado judicialmente em 06 de outubro de 2005 (fls. 31); e) foi expedido o contra-mandado (fls. 33). No dia 16 de novembro veio a informação da prisão do autor e foi proferido despacho determinando a expedição de alvará de soltura (fls. 41). O alvará foi expedido e cumprido no mesmo dia (fls. 42/42v.).

Se o autor tivesse sido preso, dada a informação no sistema da Secretaria da Segurança Pública, mas solto ainda no mesmo dia, depois de poucas horas, até seria possível falar em inexistência do dever de indenizar. Esse tipo de situação (prisão com soltura poucas horas depois) já foi vista por este juiz, quando era delegado de polícia, mas de quinze anos atrás. A prisão era comunicada por telex e, por esse meio mesmo, vinha a resposta de que o mandado já tinha sido cumprido, que existia contra ordem.

A situação do autor, no entanto, não foi resolvida pelo Estado por iniciativa própria. O fato foi comunicado ao Juízo e houve a expedição do alvará de soltura. Nesse sentido, incabível falar em culpa do próprio autor, que, segundo a contestação, teria demorado para pedir a soltura. O erro do Estado ao não registrar de pronto o contra-mandado de prisão, dando a baixa na ordem anterior, está claramente configurado. Ainda que o autor tivesse sido solto no dia seguinte, correndo ao plantão judiciário, como parece querer a contestação, haveria dano indenizável.

Existem julgados abonando essa linha de entendimento (destaques nossos):

Apelação Com Revisão 7188345400
Relator(a): Moreira de Carvalho

Comarca: São Paulo

Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Público

Data do julgamento: 25/02/2008

Data de registro: 24/03/2008

Ementa: "AÇÃO INDENIZATOR1A - Dano moral - Prisão efetuada quando do comparecimento em delegacia para prestar testemunho em outro caso, após dez dias da expedição de contra-mandado - Descumprimento de ordem judicial - Encarceramento indevido - Responsabilidade do Estado - Correto arbitramento do valor da indenização - Apuração da responsabilidade pela própria Procuradoria Geral do Estado - Recurso ...
Ementa: "AÇÃO INDENIZATOR1A - Dano moral - Prisão efetuada quando do comparecimento em delegacia para prestar testemunho em outro caso, após dez dias da expedição de contra-mandado - Descumprimento de ordem judicial - Encarceramento indevido - Responsabilidade do Estado - Correto arbitramento do valor da indenização - Apuração da responsabilidade pela própria Procuradoria Geral do Estado - Recurso da Fazenda desprovido, bem como o Adesivo.3'

Apelação Com Revisão 6552325900
Relator(a): Barreto Fonseca

Comarca: São Paulo

Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Público

Data do julgamento: 26/11/2007

Data de registro: 10/12/2007

Ementa: O Estado deve indenizar os danos materiais e morais decorrentes de indevida prisão civil."

O primeiro caso supra transcrito, aliás, trata da condenação do Estado por uma prisão indevida que durou um dia. Neste mesmo caso o V. Acórdão rechaçou a tese do Estado, no sentido de que haveria culpa do autor. Tal julgamento ainda afirma:

“Cabe ao Estado, através de seus órgãos próprios, em obediência do direito fundamental da liberdade, não prender qualquer pessoa, sem a devida ordem de prisão em pleno vigor, e ainda, agilizar a soltura de quem deva ser posto em liberdade. Assim, se o Estado prendeu quem não devia prender, deve responder por isto.
Se houve prisão ilegal, havendo necessidade alvará de soltura, quando aquela não deveria ter ocorrido, é certo dano moral está presente, por isso, assiste razão ao apelado.”

No caso supra, o valor da indenização ficou em sete mil reais. Considerando que, aqui, o autor ficou preso indevidamente por três dias, entendo que o valor de dez mil reais não caracteriza qualquer enriquecimento sem causa e é suficiente para a reparação do dano causado.

Ante o exposto, julgo procedente o pedido inicial para condenar o requerido ao pagamento de indenização no montante de dez mil reais, que deverão ser atualizados monetariamente desde a data da prisão indevida (13/11/2005) e acrescidos de juros de mora de seis por cento ao ano, também a contar da data da prisão. O requerido deverá pagar custas e despesas processuais, além dos honorários advocatícios da parte contrária, que fixo em dez por cento do valor atualizado da condenação. A presente decisão está sujeita ao duplo grau de jurisdição.


P.R.I.
Osasco, 13 de maio de 2008.


JOSÉ TADEU PICOLO ZANONI
Juiz de Direito

4 comments:

Anonymous said...

Parabéns pela clara e concisa sentença!
Após 120 anos da alforria dos escravos, o Judiciário deu alforria moral a este pobre brasileiro.
Tomara que se efetive logo esta decisão e que não se perca na miríade de recursos que atravancam nossos tribunais e nossas vidas...
Abraços e cumprimentos pelo blog, que descobri hoje.
José M. Lourenço

Anonymous said...

Isso foi realmente interessante. Adorei lê-lo

Anonymous said...

Simplesmente matando alguns entre o tempo de aula em Digg e descobri o seu artigo. Normalmente não o que eu quero ler sobre , no entanto , foi completamente vale o meu tempo. Graças .

Leandro said...

Parabéns pela brilhante decisão, pena que nem todos os magistrados agem dessa forma. Hoje o Princípio da Dignidade Humano está sendo ignorado em várias decisões. Mas nesse caso se fez presente.

Existe um certo protecionismo do judiciário, como relação à responsabilidade civil do Estado.

Mas novamente meus parabéns e com certeza serei leitor assíduo deste blog que é de muita valia.